Em 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida ou a dignidade da pessoa humana – argumentos então utilizados em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 3510) – julgando constitucional o artigo 5º da Lei de Biossegurança, aprovada pelo Congresso Nacional em 2005 e que autoriza a pesquisa com células-tronco de embriões inviáveis congelados em clínicas de fertilização assistida. Em 2011, os ministros da Suprema Corte reconheceram, por unanimidade, a união estável para casais do mesmo sexo, ao julgarem a ADIn 4277 e a ADPF 132 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), ações ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
Este ano, até o momento, o STF julgou procedente ação (ADPF 54) movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), que pedia a descriminalização da interrupção da gravidez em casos de anencefalia, garantindo o direito ao aborto de fetos anencéfalos às mulheres que desejarem fazê-lo. E acaba de decidir, por unanimidade, que o sistema de cotas raciais para ingresso nas universidades públicas é constitucional.
Assim, depois de se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis e de corrigir eventuais infringências dos direitos constitucionais das pessoas, o STF virou alvo de uma proposta de emenda constitucional (PEC), apresentada em fevereiro pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), integrante da bancada católica, que propõe que o Congresso possa suspender atos do Poder Judiciário. A proposta, aprovada na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tem como objetivo permitir que o Congresso altere decisões do Judiciário se considerar que elas exorbitaram o "poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa". Atualmente, o Legislativo pode mudar somente decisões do Poder Executivo.
No entanto, o que se quer realmente é mudar decisões do STF coerentes com o caráter laico do estado brasileiro e com a defesa dos direitos humanos ligados ao exercício da plena cidadania, decisões que o próprio Congresso Nacional poderia tomar, mas não o faz por receio, por parte de grande parte de seus parlamentares, de entrar em tensão com uma determinada camada de eleitores. Assim, as decisões tomadas pela Suprema Corte vão de encontro às suas normas morais e crenças particulares, razão pela qual há tantas consultas ao tribunal – afinal, o Supremo não inventa debates por iniciativa própria, apenas examina e se pronuncia sobre a constitucionalidade de determinado assunto quando é instado a fazê-lo. Como esclarece o ministro Luiz Fux, do STF, “por sua própria estratégia política, os parlamentares não enfrentam questões difíceis por receio de assumir eventual impopularidade decorrente dos conflitos que os temas encerram”. Segundo ele, o vácuo criado por esta ausência obriga que o STF se pronuncie, tal como o fez na aprovação da união estável de pessoas do mesmo sexo e na descriminalização do aborto de anencéfalos. O STF não pode se omitir quando provocado a se manifestar.
Luiz Fux também afirmou à imprensa que a intenção dos que patrocinam a PEC não é tão fácil de ser concretizada. De acordo com magistrado, a independência dos Poderes é cláusula pétrea da Constituição. Para implementar o direito de o Legislativo sustar atos do Judiciário, seria necessária a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Assim, como se vê, o Judiciário não ultrapassa as suas funções ao estabelecer novos marcos normativos, apenas supre lacunas resultantes da inoperância do Congresso. Conforme observa a colunista Dora Kramer (O Estado de São Paulo – 29/04/2012), ” O Congresso não precisam agredir a Constituição nem desconstruir a República para defender as prerrogativas do Poder Legislativo: basta que não se acovarde diante de potenciais controvérsias e saia da inatividade no lugar de reclamar do ativismo alheio propondo soluções fáceis e equivocadas” .
Poderia, por exemplo, debruçar-se sobre o projeto de lei que propõe a criminalização da homofobia no país. Uma boa parte do eleitorado agradeceria.