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Em nome de um Estado secular

A palestra “Globalização, Religiões e o Secular”, ocorrida no dia 07 de março na UERJ, abordou os caminhos que aproximam cada vez mais a religião e o Estado, em uma dinâmica de tensão que envolve também a participação de movimentos sociais cujas demandas são afetadas por esta aproximação. Em jogo, a capacidade de influenciar e definir decisões de governo através de barganhas.

Organizada pela Linha de Pesquisas Religião e Movimentos Sociais (PPCIS/UERJ), pelo Núcleo Religião, Gênero, Ação Social e Política (ESS/UFRJ), pelo Centro Latino-Americano de Estudos do Pentecostalismo (Projeto PCIR/UERJ) e pelo Grupo de Estudos do Cristianismo (PPCIS/UERJ), a palestra contou com a participação do sociólogo especializado em religiões José Casanova (Georgetown University), da socióloga Maria das Dores Campos Machado (UFRJ), do sociólogo Paul Freston (Wilfrid Laurier University, Canadá), da teóloga e socióloga Brenda Carranza (PUC Campinas) e da socióloga Cecília Mariz (UERJ).

O crescimento de novos movimentos religiosos nos últimos anos – como os neopentecostais (evangélicos) e os carismáticos (católicos) – foi um tema que gerou ampla discussão, sobretudo por causa da atuação política desses grupos. Paul Freston destacou que a campanha eleitoral de 2010 foi um momento de destaque desse fenômeno. “Notamos que a questão dos valores religiosos foi uma bandeira levantada e defendida com vigor. Ao menos no embate do processo eleitoral, a temática do aborto obrigou os candidatos a serem cautelosos ou recuarem de suas convicções. Na hora do voto, no entanto, conforme entrevista que fiz com algumas lideranças religiosas, tais temas não necessariamente foram decisivos para definir o candidato. O que chamo a atenção é para o poder de mobilização que alguns valores imprimiram na campanha”, observou Paul Freston.

O Brasil tem observado uma crescente atuação de movimentos religiosos que convergem para as instituições públicas, dinâmica muito criticada pelos movimentos feminista e LGBT. Durante a campanha de 2010, a então candidata Dilma Rousseff mudou sua posição em relação à descriminalização do aborto, adotando uma postura contrária à que defendia até então. Eleita, já no primeiro ano do governo, a presidente foi obrigada a recuar em iniciativas de ampliação da cidadania LGBT e a modificar o foco das políticas de saúde da mulher. O kit anti-homofobia foi suspenso diante da pressão da bancada religiosa no Congresso Nacional. Nesse contexto de pressão conservadora, a concepção maternalista prevaleceu nas ações do Ministério da Saúde – que priorizou a ideia da mulher gestante e mãe em detrimento de outros momentos da trajetória reprodutiva.

Para Maria das Dores Campos Machado, especialista no estudo dos evangélicos, a atuação política de grupos religiosos tem se intensificado. “A ação constante e vigorosa de grupos religiosos evidencia que eles reconhecem a política como uma instância central da vida nacional. Os neopentecostais acham que a política é um campo positivo, que a política partidária e eleitoral é relevante. É uma situação distinta da dos anos 1980, quando o discurso pentecostal era apolítico. Além disso, temos percebido que há um forte diálogo com o discurso dos direitos humanos. Eles se apropriam deste campo para argumentar e defender seus valores e ideias. No entanto, é uma apropriação seletiva, focada na questão da liberdade religiosa e na desigualdade social. Questões como aborto e direitos LGBT não são pronunciadas”, afirmou Maria das Dores Machado.

De acordo com a socióloga, cada vez mais estes grupos religiosos participam das discussões e das definições da agenda política. “É importante observar que há um componente geracional no momento atual. Os pentecostais estão em sua 3ª geração, cujos integrantes têm escolaridade maior que a de seus pais e avós. São, por exemplo, médicos, juízes e jornalistas que circulam pelas mais variadas instituições, como a universidade, a mídia, o poder judiciário”, analisou Maria das Dores Campos Machado.

O movimento pentecostal surgiu e se desenvolveu concomitantemente aos movimentos feminista e LGBT algumas décadas atrás. Nesse sentido, afirmou a socióloga Brenda Carranza, a atuação destes grupos religiosos esteve associada ao combate ao feminismo e às demandas LGBT. “Os meios de comunicação têm sido largamente utilizados com esse propósito. Dessa forma, questões como os direitos da mulher estão sob constante vigilância e ataque na televisão aberta,” afirmou, chamando a atenção para os inúmeros programas religiosos que algumas igrejas exibem em emissoras comerciais, algumas vezes de domínio de grupos religiosos.

Maria das Dores Campos Machado classificou como relação de ódio a que se estabelece entre tais movimentos religiosos e as feministas. “É um contexto que não pode ser analisado internamente. Há uma forte atuação articulada a movimentos nos EUA, especialmente aqueles ligados ao combate ao aborto (“pró-vida”). A atuação tem servido para estimular as ações políticas dos grupos brasileiros, facilitando, inclusive, a parceria entre evangélicos e católicos em temas que dizem respeito a direitos sexuais e reprodutivos. No entanto, temos que admitir que grupos conservadores e tradicionais podem e têm o direito de se manifestar e atuar. Não podemos desqualificar o direito deles se manifestarem por mecanismos democráticos”, explicou Maria das Dores Campos.

Para Brenda Carranza, no entanto, a atuação política dos movimentos religiosos não se difere do padrão da política brasileira. “Vemos o uso constante da política como favor e barganha para ocupação de cargos – como no recente caso de Marcelo Crivella, cuja indicação para o Ministério da Pesca contemplou uma negociação de aliança eleitoral. Portanto, a religião, nesse aspecto, também serve como moeda de troca”, observou Brenda Carranza.

Paul Freston avaliou que a participação crescente destes movimentos é legítima, embora apresente aspectos reprováveis. “As discussões que envolvem valores são muito caras aos grupos católicos e evangélicos. Dentro dos marcos democráticos, são embates saudáveis. O preocupante é quando as discussões se dão no grito, com o intuito de silenciar os opositores, como é o caso do aborto”, arrematou Paul Freston, que concluiu afirmando que as discussões e as mudanças possíveis em temas de sexualidade, gênero e reprodução são lentas. “São mudanças que demandam anos de avanços graduais, o que é natural, pois não estamos tratando de temas simples. São temas que incidem sobre a sensibilidade moral e religiosa de uma população”, finalizou.

Publicada em: 14/03/2012

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