Promovida pela Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), pela Frente Nacional contra a criminalização das mulheres e pala legalização do aborto, pelos Conselhos Regional (7ª região / CRESS) e Federal de Serviço Social (CFESS), pela Faculdade de Serviço Social da UERJ e pela Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-RJ, foi realizada no Rio de Janeiro, neste 28 de setembro (Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe), a mesa-redonda “Os desafios atuais frente à criminalização do aborto”.
Beatriz Galli, advogada e consultora do Ipas, analisou a situação brasileira em relação ao tema. Segundo ela, a legislação punitiva tem um peso maior para as mulheres de estratos mais pobres da sociedade. “A criminalização da mulher que aborta traz conseqüências desiguais de acordo com as condições sócio-econômicas e educacionais da mulher. Sobretudo para as mulheres negras, que estão em uma situação de vulnerabilidade muito significativa. São mulheres que recorrem a métodos clandestinos e precários, sob condições de higiene que muitas vezes inexistem, e que geram graves problemas de saúde”, afirmou.
De acordo com a consultora do Ipas, a proibição legal do aborto não contribui para a melhora da saúde pública em diversos âmbitos. “Para além da questão de justiça social, de se proporcionar a todas as mulheres o amparo no momento do aborto, a criminalização da interrupção da gravidez impacta, por exemplo, no diagnóstico da mulher que chega ao serviço de saúde com complicações. Com medo de ser presa, sentindo-se desamparada, há uma dificuldade no relato do ocorrido aos profissionais de saúde. Vemos problemas também em dimensionar com exatidão a amplitude do problema, pois os registros são pontuais e não cobrem todos os casos. Além disso, a proibição do aborto gera um grave problema no sistema de saúde, com custos que poderiam ser evitados caso houvesse a permissão para interromper a gravidez nos serviços de saúde, com condições higiênicas e métodos corretos para o procedimento”, afirma Beatriz Galli.
Rogéria Peixinho, da Articulação de Mulheres Brasileiras, também frisou a violência psicológica e a angústia que sofre a mulher que aborta. “Ao recorrer a um ato que é criminalizado, a mulher chega ao hospital sentindo-se culpada, com medo da prisão, medo de morrer, medo da sociedade. Nas unidades de saúde, ela é vítima de um forte julgamento moral. São comuns casos em que a mulher com dores ou apresentando hemorragia é preterida em relação a outros pacientes ou tem o atendimento adequado retardado e adiado por conta da ideia absurda de que ela tem que pagar pelo que fez. Ou seja, o acolhimento daquela mulher é negado por conta de convicções que não deveriam interferir no exercício de quem deve zelar pela saúde. Por isso, é fundamental que a legislação seja alterada e o aborto, regulamentado, dentro de um período estipulado, como ocorre nos países onde o aborto é previsto por lei - entre oito e 14 semanas, por exemplo”.
De acordo com a feminista, a discussão em torno do aborto é dificultada por convenções e expectativas sociais que tolhem a mulher na sua autonomia. “Ser mãe não é uma obrigação, a maternidade não é um destino, é uma opção. A mulher é a dona de seus direitos e de suas escolhas reprodutivas”, argumenta.
A Rede Cegonha, carro-chefe da política de saúde da mulher do Ministério da Saúde, foi alvo de discussão. Para a representante da AMB, o programa, que prioriza a saúde materno-infantil do momento em que a gravidez é detectada até a criança completar dois anos, é um retrocesso. “Como política pública, a Rede Cegonha centra a atenção na mulher-mãe. No entanto, a mulher não se resume a esse papel. O governo impõe uma visão limitada e não atende a saúde da mulher em sua integralidade, dentre as quais o aborto também é uma questão importante. O programa tem um viés conservador, com influência de setores religiosos”, criticou Rogéria Peixinho.
Tizuko Shiraiwa, gerente do programa de assistência integral à saúde da mulher do Estado do Rio e que acompanha as reuniões da Rede Cegonha, ressalvou que o programa tem como foco a redução da mortalidade materna, que no Brasil atinge índices elevados. De acordo com ela, o governo federal também é sensível às demandas que não estão contempladas na Rede Cegonha.
Segundo Beatriz Galli, o Brasil tem compromissos firmados internacionalmente em relação a direitos reprodutivos e sexuais, e a criminalização do aborto vai na contramão das diretrizes acordadas nas Conferências de Cairo (1994) e Pequim (1995), que formularam parâmetros de respeito e promoção dos direitos sexuais e reprodutivos. A advogada apontou a influência das religiões nas políticas públicas.
“Leis e programas de governo devem ser feitos para todos, e não para determinados segmentos religiosos. A Rede Cegonha, por exemplo, é uma iniciativa louvável no que diz respeito à saúde materno-infantil. Mas, infelizmente, o governo federal não se posiciona em relação à necessidade de se legislar sobre o aborto, agindo no limite da lei, ora ampliando os serviços que realizam os permissivos legais, ora centrando-se na atenção à gestante. O aborto, nesse sentido, continua um tema pendente no Brasil, a despeito do grave problema de saúde que representa”, criticou Beatriz Galli.