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América Latina

Obama e os direitos das mulheres

Por Luisa Cabal e Lilian Sepúlveda

De todas as promessas do presidente Barack Obama de defender os direitos humanos universais, o direito fundamental das mulheres está sendo deixado de fora da mesa durante sua visita aos líderes da América Latina essa semana. Realmente, a passada de Obama pelo sul do continente inclui paradas no Brasil, no Chile e em El Salvador – países cujos governos não conseguiram priorizar as questões da saúde integral das mulheres, a igualdade e o empoderamento nas suas políticas. Apesar dos avanços políticos observados nesses países, o triste fato é que muitas mulheres na região continuam sofrendo discriminações, sendo abusadas e vitimizadas pela violência, por viverem em sociedades que não respeitam inteiramente os direitos humanos das mulheres.

O Brasil é celebrado como um líder e como símbolo do desenvolvimento econômico, mas ainda assim o país se vê confrontado com iniqüidades raciais e de gênero muito rígidas. Uma economia fortalecida ajudou o Brasil a reduzir a transmissão do HIV, a pobreza e a mortalidade infantil, mas o governo tem praticamente ignorado as disparidades presentes nos altos números de mulheres que morrem por causas relacionadas à gravidez no país. De acordo com o Banco Mundial, a taxa de mortalidade materna no Brasil é de 3 a 10 vezes mais alta que em países com situação econômica similar. Os serviços de qualidade de atenção à saúde, públicos ou privados, estão concentrados nas maiores cidades, criando um sistema que discrimina as pessoas mais pobres, as mulheres indígenas e afrodescendentes.

De acordo com o próprio Ministério da Saúde brasileiro, as mulheres afrodescendentes têm 50% mais chances de morrer por causas obstétricas que as mulheres brancas. Isso se deve, em grande parte, ao fato de essas comunidades receberem menos informação sobre gravidez, parto e cuidados pós-natal com as crianças, incluindo os sinais do trabalho de parto, a importância da lactação e do acompanhamento pré-natal. O governo brasileiro reconheceu que 90% das mortes maternas no país poderiam ser evitadas, mas ainda não está cuidando disso. O Centro de Direitos Reprodutivos está atualmente representando uma mãe afrobrasileira cuja filha grávida morreu após ser atendida em um hospital da rede pública, ser diagnosticada equivocadamente e de lhe ter sido negada a devida atenção médica. Sua morte era inteiramente evitável, mas o Brasil falhou em priorizar a questão da mortalidade materna.

O Chile, que tem sido um exemplo de moderação política, progresso democrático e boa governança desde a transição da ditadura de Pinochet em 1990, continua promovendo as visões patriarcais tradicionais sobre a vida familiar e as relações de gênero que contradizem a noção básica de que as mulheres são sujeitos de direitos humanos. Por exemplo, em 2004 o Chile se tornou o último país no ocidente a legalizar o divórcio. Ainda assim, a autonomia reprodutiva das mulheres é extremamente limitada. O aborto é ilegal no Chile sob qualquer circunstância, mesmo em casos de estupro ou quando a vida da gestante está em risco. Ainda que durante a última década os comitês de direitos humanos das Nações Unidas tenham recomendado que o Chile flexibilizasse a legislação restritiva do aborto para que pudesse cumprir suas obrigações relacionadas aos direitos humanos, o governo chileno se recusou a dar esse passo. Analogicamente, em 1998, El Salvador – a última parada desta viagem do presidente Obama – criminalizou o aborto sob todas as circunstâncias. As leis restritivas do aborto em El Salvador contribuem para a alta taxa de mortalidade materna registrada naquele país, mais que duas vezes a média registrada na América Latina. O governo reforça a proibição vigilantemente, perseguindo mulheres que abortaram como se fossem assassinas. Há notícias de que também se perseguem as mulheres que sofreram abortos espontâneos. Um exemplo é a história de Marina, que sofreu um aborto espontâneo e em 2008 foi condenada a 30 anos de prisão. Enquanto esteve presa, foi diagnosticada com câncer e morreu um ano depois, sem ter tido acesso a nenhum tipo de tratamento médico.

As mulheres não deveriam ser obrigadas a essa dor, sofrimento e morte. A capacidade da mulher de tomar uma decisão a respeito de e quando ter uma criança e de ter acesso a serviços qualificados de saúde reprodutiva estão diretamente ligados à base do seu bem-estar e de seu lugar no mundo. A história nos mostra que quando mulheres e meninas são saudáveis e têm acesso a oportunidades, as sociedades se tornam mais justas, as economias prosperam com maior facilidade e os governos são mais predispostos a servir às necessidades de seu povo como um todo. O presidente Obama tem sido uma voz poderosa na promoção dos direitos humanos, mas deve lembrar-se que um número incontável de mulheres na América Latina continua tendo suas oportunidades e sua liberdade roubadas.

Texto extraído do blog de Luisa Cabal e Lílian Sepúlveda no RH Reality Check.

Tradução livre de Jandira Queiroz, assistente de projetos do Observatório de Sexualidade e Política.

Publicada em: 23/03/2011

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