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Brasil: aborto na agenda política

No dia 27 de setembro, a ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, entregou, na Câmara Federal, o anteprojeto que prevê a descriminalização e a legalização do aborto no Brasil. O anteprojeto de lei foi elaborado por uma comissão tripartite, instituída pela própria Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e integrada por representantes dos poderes Executivo, Legislativo e da sociedade civil que, após ampla discussão, propuseram uma profunda revisão na legislação brasileira sobre o aborto, prevista no Código Penal de 1940 e, desde então, nunca revisada.

A comissão tripartite se instalou no dia 6 de abril, com a seguinte composição: seis representantes do Poder Executivo (SPM, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Casa Civil, Secretaria Nacional de Direitos Humanos e Presidência da República), seis representantes do Congresso Nacional (os senadores Eduardo Suplicy do PT-SP, João Capiberibe do PSB-AP e Serys Slhessarenko do PT-MT; e as deputadas Elaine Costa do PTB-RJ, Suely Campos do PP-RR e Ângela Guadagnin do PT-SP) e seis representantes da sociedade civil (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia, Articulação de Mulheres Brasileiras, Rede Feminista de Saúde, Fórum de Mulheres do Mercosul, Secretaria de Mulheres da CUT e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

O anteprojeto propõe a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação e em qualquer idade gestacional quando a gravidez implicar risco de vida à mulher ou em caso de má formação fetal incompatível com a vida.

Também propõe revogar os artigos do Código Penal que tratam o aborto como crime, assegurando que o Sistema Único de Saúde (SUS) realize a interrupção da gravidez. Além disso, obriga os planos de saúde a cobrirem os custos com o aborto. Outro aspecto a ser destacado é a necessidade de autorização do Ministério Público, além dos responsáveis legais, para que a interrupção seja realizada em menores de 18 anos.

O anteprojeto será incorporado a outro que tramita na Câmara, cuja relatora é a deputada federal Jandira Feghali (PC do B). Dessa forma, não precisará entrar no fim da fila de projetos que aguardam apreciação do mérito na Comissão de Seguridade Social e Família.

Seminário aponta ineficácia da Lei

Realizado no plenário da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) no dia 28 de setembro, o II Seminário Saúde Reprodutiva, Aborto e Direitos Humanos, promovido pelas instituições Advocaci e Ipas Brasil, colocou em debate a atualidade da discussão sobre o aborto e sua descriminalização.

O encontro chamou a atenção para os princípios constitucionais, em especial para o princípio da laicidade do Estado e para outros pressupostos fundamentais da Constituição brasileira, como o direito à liberdade individual.

“Com a descriminalização, a Lei brasileira estará respeitando todos os princípios resguardados na Constituição.A lei punitiva não está sendo suficiente para reduzir o número de abortos no Brasil”, disse a advogada Maira Fernandes, integrante da Comissão Jurídica das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro.

“O que se quer é tirar a mulher da clandestinidade e que ela tenha um atendimento qualificado, reduzindo o número de mortes e os gastos no SUS”, afirmou o médico Jorge Andalaft, um dos integrantes da Comissão Tripartite e membro da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

A médica Cláudia Bonam, membro da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos enumerou os motivos pelos quais o aborto deve ser legalizado no país. “A criminalização só acentua o problema e põe fora dos olhos dos órgãos competentes a indústria clandestina do aborto, que é lucrativa e inimputável. Além disso, ela reproduz a desigualdade social”, disse ela.

Os palestrantes também apontaram para os limites e a inefetividade da lei penal.

“O Código Penal de 1940 não é compatível com a Constituição brasileira de 1988, a qual assegura todos os direitos individuais. O Estado se omite, colocando-se em segundo plano na hora de assegurar a saúde às mulheres, mas se põe em primeiro plano na hora de punir. O Estado é hipócrita, porque primeiro se omite, depois pune”, observou a defensora pública Bernadett Espírito Santo.

Também participaram do evento a advogada Gleyde Selma da Hora e a médica sanitarista Leila Adesse, respectivamente coordenadora executiva da Advocaci e diretora do Ipas Brasil.

A situação brasileira

Na América Latina, onde a interrupção voluntária da gravidez é considerada crime, são realizados anualmente 4 milhões de abortos clandestinos, segundo estatísticas do Instituto Alan Guttmacher. No Brasil, como a prática do aborto é tipificada como crime pelo Código Penal desde 1940 – só não é punida nos casos de estupro e risco de vida para a mãe – estima-se que entre 750 mil e 1 milhão de mulheres (estatísticas do mesmo instituto), a grande maioria delas pobre, têm de recorrer ao aborto clandestino. As conseqüências deste quadro são dramáticas: as complicações decorrentes do aborto inseguro são responsáveis por 250 mil internações nos hospitais do SUS e representam a quarta causa de mortalidade materna no país, segundo dados do Dossiê Mortes Preveníveis e Evitáveis, da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.

Apesar da restritiva legislação brasileira, o direito ao aborto em casos de anencefalia esteve em debate na mídia nacional em 2004, quando a ADPF 54 (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) sobre anencefalia foi apresentada no Supremo Tribunal Federal. A ação ainda espera julgamento pelo Supremo, mas a questão trouxe à tona a discussão em torno da laicidade do Estado brasileiro.

Paralelamente ao debate travado no STF, a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília em 2004, concedeu ao movimento feminista o compromisso de defender e propor a revisão da legislação punitiva do aborto. Da Conferência resultou a instalação da Comissão Tripartite, criada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e integrada por membros dos Poderes Executivo, Legislativo e da sociedade civil, os quais elaboraram o anteprojeto de lei entregue à Câmara federal no dia 27 de setembro.

Para o movimento feminista, o anteprojeto traduz um grande avanço para o movimento de mulheres no Brasil nos últimos trinta anos. O CLAM apóia campanhas de outras redes sobre o tema, tais como: Católicas em campanha pela legalização do aborto, das Católicas pelo Direito de Decidir; o Abaixo-assinado a favor da interrupção da gravidez, promovido pela Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos em apoio ao mérito da ADPF que autoriza a interrupção da gravidez de feto anencéfalo; a Campaña Nacional por el Derecho al Aborto Legal, Seguro y Gratuito, na Argentina; e a Campanha 28 de setembro, a qual estabelece a data como o Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe.

Publicada em: 04/10/2005

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