As mudanças dos comportamentos sexuais na França: década de 50 à década de 2000
O sociólogo francês Michel Bozon analisou três pesquisas realizadas na França: a primeira delas, o “Inquérito Simon”, de 1970 – desenvolvido dois anos depois do movimento social de 1968 e no contexto da emergência de uma sociedade contraceptiva – a segunda o “Inquérito ACSF", – feito durante o período de grande mobilização contra a AIDS e a preocupação com comportamentos de risco – e a pesquisa “Contexto da Sexualidade na França (CSF)”, estudo realizado por ele em 2006, voltado para o contexto de sexualidade e saúde naquele país, cujas entrevistas, feitas através do telefone, envolveram pessoas de 18 a 69 anos e duravam cerca de 50 minutos. “Não fazíamos a entrevista imediatamente, marcávamos os ‘encontros’ quando as pessoas teriam tempo para responder ao questionário. E a taxa de aceitação foi bastante alta – 75%”, lembrou.
“Uso os três inquéritos para obter uma profundidade histórica que vai até o início da Segunda Guerra Mundial”, disse ele. “Então, observa-se, por exemplo, uma queda de dois anos na idade de iniciação sexual durante a Segunda Guerra Mundial para as mulheres francesas. Ao mesmo tempo, houve também uma queda na idade do casamento; o que não significa um comportamento sexual diferente, uma mudança no calendário da conjugalidade. Em maio de 1968, ocorre a legalização da contracepção; mas observa-se que houve uma queda, desta vez real, na idade de iniciação sexual para as mulheres, mas que não tem relação com esse evento. Então, a disseminação da contracepção não é a causa, a diminuição na idade da iniciação sexual neste momento não é um efeito de política de saúde. É mais uma mudança nos comportamentos e nas atitudes que também aceleraram o processo de legalização da contracepção”, relatou.
Segundo ele, nas décadas de 70, 80 e 90, com a chegada da AIDS, observou-se uma estabilização na idade da iniciação sexual dos franceses.
Em relação ao número de parceiros sexuais ao longo da vida, os estudos mostram, segundo Bozon, haver um aumento para as mulheres nos últimos trinta anos, que era de menos de 2 em 1970 e passou a mais de 4 em 2006. O número de parceiras dos homens atualmente está no patamar de 12 parceiras. Somente uma em três mulheres declarou mais de 10 parceiros. “Homens e mulheres não contam o número de parceiros da mesma maneira. Essa não é uma interpretação psicológica. Há uma definição implícita de parceiro que é bem diferente para homens e mulheres. Se para os homens todas as experiências sexuais contam como parceiras, as mulheres só contabilizam os parceiros que contaram, que tiveram importância”, explicou.
Nos últimos anos, não se modificou, segundo o pesquisador, a proporção de homens que se auto-declararam homossexuais: por sua vez, há um aumento significativo para as mulheres, que passam de 2,6% para 4% aquelas que se declaram lésbicas. “Observamos que entre as mulheres de menos de 40 anos esse percentual chega a ser quase 6%. E se sabe que os episódios antigos de relações com o mesmo sexo tendem a ser esquecidos, o que aparece nas declarações das mulheres com mais de 60 anos. Então, podemos pensar que a proporção é mais voltada para 6% do que para 4%”, afirmou o sociólogo.
Quanto à atitude dos franceses acerca da homossexualidade, observa-se uma visão aberta por parte da população. “Observa-se que entre as pessoas de mais de 60 anos, na pesquisa da década de 70, a idéia de que a homossexualidade é algo contra a natureza era acionada por 40% dos homens. Essas proporções se inverteram totalmente. Mas, nota-se também que a aceitação é maior entre as mulheres do que entre os homens. Há uma proporção de 20% de homens jovens que acham que a homossexualidade é algo contra a natureza”.
O pesquisador cunhou de “homofobia encoberta” as respostas obtidas com a pergunta Concordaria que uma criança fosse criada por: Uma mulher sozinha? Duas mulheres? Dois homens?. “Claramente para todos, o caso mais grave era se uma criança fosse criada por dois homens. Aumenta a rejeição quando as pessoas entrevistadas são mais velhas. A criação de uma criança por duas mulheres é mais aceita e por uma mulher sozinha não é tão rejeitada”.
Segundo ele, o problema de ter um filho homossexual também aparece para a geração mais antiga. O número de pessoas que afirmaram que seria um problema ter um filho homossexual foi significativo mesmo entre homens jovens, relatou o pesquisador. Por sua vez, um em cada dois homens jovens acharia isto um problema. “Então, parece haver um problema específico dos homens com a homossexualidade, mesmo nas gerações mais jovens. Mas, um problema indireto, porque muitas dessas pessoas ao mesmo tempo respondem que a homossexualidade é uma sexualidade como qualquer outra. Só que quando há temas mais precisos, aparece a rejeição”, analisou.
Para o pesquisador, a questão da automasturbação é outro indicador interessante, uma vez que as perguntas dizem respeito não somente sobre a prática, mas também sobre a aceitabilidade da masturbação. A possibilidade de declarar isso em uma pesquisa é uma novidade. Então, vemos que, no último inquérito, dois terços das mulheres declararam ter tido essa experiência, enquanto na pesquisa de 1970 apenas um quinto delas declararam o mesmo. Para os homens, esse comportamento apresenta menos evolução ao longo do tempo”, ressaltou o sociólogo, para quem a experiência de sexo oral na vida também é muito impressionante e o paralelismo das evoluções para homens e mulheres é um bom exemplo de uma prática que se conjugalizou. “Entre as pessoas casadas, dois terços têm essa prática como regular”, revelou.
Em relação ao sexo anal, segundo o expositor, a ocorrência da prática (no ano anterior à entrevista) seria por volta de 15% em 1970. “Ainda continua menos do que no Brasil, mas há, na França, um aumento de 15% para 40% entre as mulheres e de 20% para mais ou menos 50% para homens. Este dado corresponde aos entrevistados heterossexuais”, disse.
Quanto ao uso do preservativo, o pesquisador afirmou que o uso da camisinha não se tornou menos freqüente entre os inquéritos de 1992 e 2006. “Pensava-se que as pessoas iriam se prevenir menos com a idéia de que há tratamento, mesmo porque na França atualmente não há a mobilização em relação à AIDS que havia na década de 1990”.
Para ele, é difícil explicar também o fato de a camisinha ter sido incluída pelos entrevistados entre os métodos contraceptivos, como uma forma de proteção contra a gravidez na primeira relação, apesar de, nos anos 1970, ela aparecer discretamente entre os métodos contraceptivos usados na primeira relação sexual. “Não era algo desconhecido, mas muito minoritário. Nos anos 1970, houve uma enorme disseminação da pílula no cenário francês. E agora, a pílula como primeiro método, aos poucos, está sendo substituída pela camisinha. Cerca de 92% a 95% usaram camisinha ou pílula na primeira relação”, revelou o professor.
Segundo ele, o que aparece também nos últimos 50 anos de pesquisa sobre sexualidade na França é uma autonomização cada vez maior da sexualidade juvenil e também o prolongamento da vida sexual até idades mais avançadas. Na análise do sociólogo e demógrafo, se a camisinha obteve tanto êxito e se manteve, mesmo com a chegada dos tratamentos anti-retrovirais, foi porque esta era uma forma de proteção adaptada ao momento em que a sexualidade juvenil se redefinia com mais mobilidade. “A camisinha se adaptava muito bem a esse cenário, enquanto a pílula era tida como apropriada a relacionamentos tidos como mais sérios, com compromisso”, concluiu.
BAJOS, Nathalie, BOZON, Michel Enquête sur la sexualité en France : Pratiques, genre et santé (La Découverte), 2008