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Brasil
Privilégios questionáveis
O acordo entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no país foi o tema principal no primeiro dia (02/12) do ciclo de debates “Democracia, Estado Laico e Direitos Humanos”, promovido em São Paulo pela Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR/Cebrap) e pela Red Iberoamericana por las Libertades Laicas. Em sua conferência de abertura, o cientista social Roberto Blancarte, pesquisador do Colégio de México, sinalizou que a laicidade é um processo e que os países da América Latina estão passando de um regime de “catolicidade” para um regime de laicidade. Em relação ao acordo, firmado em novembro, Blancarte destacou que quando se faz uma concordata tem que haver o elemento da reciprocidade. “Neste caso, o acordo privilegia apenas uma das partes: a Igreja Católica”, salientou o pesquisador mexicano. Para o juiz Roberto Arriada Lorea (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul/ Red Iberoamericana por las Libertades Laicas), o tratado de regulamentação viola a democracia brasileira. “O problema é o privilégio da Igreja Católica. O papel do Estado laico é assegurar a liberdade religiosa, não fomentar a religiosidade”, disse. “Não há em nenhum dos artigos aprovados na concordata um interesse comum com o Estado brasileiro”, afirmou o educador Luís Antônio Cunha, pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos ligado ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH-UFRJ). Cunha destacou que haveria apoio caso o acordo fosse feito no sentido de acabar com a fome no mundo ou com o comércio internacional de órgãos humanos. “A concordata é uma ação direta da religião sobre o Executivo do nosso país. Se o Estado brasileiro a subscreve, o Estado laico deixa de existir e passa a ser um Estado concordatório, que concede privilégios a determinada religião. O Estado laico deve ser imparcial às demandas religiosas”, disse. Para o pesquisador da UFRJ, coordenador do Observatório da Laicidade do Estado (Olé) o mais grave entre os 22 artigos aprovados é o de número 16, que retira as demandas religiosas do âmbito da justiça trabalhista brasileira, classificando o trabalho de sacerdotes, freiras e irmãos leigos como trabalho voluntário. De forma implícita, em outro artigo, a Igreja Católica amplia o laudêmio, direito à propriedade que a instituição detém desde o século XIX nas áreas antigas das maiores cidades brasileiras. A Marinha do Brasil detém o laudêmio da costa do país. Privilégios como esse são garantidos pelo Estado a instituições religiosas há décadas. Um artigo da Constituição Federal diz que “é vedado à União, aos estados e aos municípios a criação dos impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços de vários tipos de instituições, incluindo as religiosas. Como resultado, as diversas igrejas não pagam impostos como o IPTU. “Esse dispositivo figura na Constituição Federal de nosso país desde 1934. No ano anterior (1933), a Liga Eleitoral Católica (LEC), liderada pelo cardeal Leme, estabeleceu, para as eleições daquele ano de deputados e senadores, uma plataforma que continha coisas como a validade civil do casamento religioso. Tudo o que eles não conseguiram fazer valer na plataforma, os deputados eleitos ou apoiados pela LEC introduziram na Constituição de 1934, como a imunidade fiscal, vigente até os dias de hoje”, relatou Cunha. Os pesquisadores presentes ao debate afirmaram esperar que, desta vez, o Congresso Nacional, diferentemente de há 70 anos, não aprove o tratado firmado entre o Brasil e a Santa Sé. Segundo eles, todo acordo internacional prevê reciprocidade e a concordata em questão prevê privilégios somente para a Igreja Católica. Clique aqui para ler o texto do acordo Publicada em: 04/12/2008 |