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Mudança de sexo pode ser vetada
A publicação, em agosto, pelo Ministério da Saúde da portaria 1.707, que prevê a realização de cirurgias de mudança de sexo através do Sistema Único de Saúde (SUS), foi um alento em meio à ausência de políticas públicas na área da saúde voltadas à população transexual. Desde a última sexta-feira (14/11), no entanto, as cerca de 500 pessoas que já se inscreveram para serem submetidas ao procedimento não têm tantos motivos para comemorar. Um projeto de decreto legislativo, com vistas a suspender a portaria, foi protocolado na Mesa da Câmara pelo deputado Miguel Martini (PHS-MG). Autor do livro “A segunda vinda de Cristo” e representante no Congresso do Movimento Renovação Carismática, da Igreja Católica, Martini articula também o apoio da Frente Parlamentar Evangélica para a causa. No momento de justificar publicamente o projeto, porém, o deputado esquiva-se dos argumentos religiosos. Segundo Martini, o procedimento cirúrgico – tecnicamente chamado de “processo transexualizador” – não deve ser custeado pelo SUS devido à escassez de recursos. “Ora, se o SUS não tem condições de atender às mulheres durante o pré-natal, se não tem condições de fazer cirurgias ou de atender pacientes oncológicos, como poderá fazer cirurgia para mudança de sexo, em detrimento daqueles que não têm condições de viver nem de sobreviver?”, questionou o deputado, em entrevista ao jornal O Globo (ed. 14/11/08). Na mesma matéria, Martini afirmou que a operação seria “um luxo” e, portanto, “uma ofensa” à população carente de atendimento nos hospitais públicos. Em entrevista ao CLAM, a socióloga Berenice Bento (Universidade de Brasília), autora do livro “A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual” (CLAM/Editora Garamond), chama a atenção para o fato de que, sempre que se colocam em pauta questões relativas à diversidade sexual e de gênero, há reações. Neste caso, porém, os argumentos utilizados pelo deputado surpreenderam a pesquisadora. “Esperava uma reação numa perspectiva religiosa, mas a questão financeira tem uma capacidade maior de mobilizar o senso comum”, observa, acrescentando que o projeto coloca a necessidade de dar visibilidade à discussão, já que, em sua opinião, não se trata de uma questão secundária, como sugere o deputado. “Não é uma cirurgia plástica corretiva ou estética, mas uma questão identitária fundamental”, afirma a socióloga, tendo em vista que os possíveis beneficiados pelo procedimento não se reconhecem no próprio corpo, o que não raro implica em tentativas de suicídio e rejeição. Na opinião de Bento, os conflitos identitários vividos pelos transexuais estão diretamente relacionados à forma binária como a sociedade constrói os gêneros. “Para ser mulher tem que ter vagina, a sociedade diz isso”, destaca a pesquisadora, acrescentando que o foco, em vez de estar nos indivíduos, deveria estar na própria sociedade pois, na medida em que se desloca a questão do biológico, abre-se a possibilidade para que novos significados sejam construídos. De acordo com a portaria 457, editada em agosto pela Secretaria de Atenção à Saúde, regulamentando as diretrizes do novo procedimento a ser adotado pelo SUS, quatro instituições públicas de saúde estão aptas a realizar a cirurgia: o Hospital das Clínicas de Porto Alegre (UFRGS), o Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). De acordo com o documento, antes de se submeter à cirurgia, o paciente deve dispor de acompanhamento psicológico por um período de dois anos. Além disso, o texto prevê que, em caso de internação hospitalar, o paciente seja alocado na enfermaria de acordo com o sexo com o qual se identifica socialmente, independentemente do nome que conste no registro civil. No início do ano, o Ministério da Saúde já havia elaborado um documento determinando que gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais fossem tratados e registrados com seu nome social – como são conhecidos – nos cadastros do SUS. “Isso diz respeito a um conjunto de direitos que estão inscritos na carta dos direitos dos usuários da saúde, é um atendimento a uma demanda da população, especialmente, de travestis e transexuais, que tem um gênero social de um sexo e o nome civil de um outro sexo. Essas pessoas se sentiam extremamente constrangidas quando se relacionavam com o serviço e isso sensibilizou o Ministério da Saúde no acolhimento dessa demanda, colocando a questão do nome social como um nome possível de ser o nome identificador das pessoas no âmbito dos serviços, tanto de atenção básica, quanto de internação”, afirma a diretora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa do MS, Ana Maria Costa. O reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na abertura da I Conferência Estadual LGBT, realizada no campus daquela universidade em maio de 2008, se comprometeu a fazer uma mudança radical no processo de convivência dessas pessoas na Universidade, abrindo os banheiros femininos para as travestis e transexuais e instalando no Hospital Pedro Ernesto todo o conjunto de demandas relacionado à presença das transexuais e travestis em enfermarias femininas, reforçando o uso do nome social nos prontuários clínicos daquele hospital e ampliando a todas as demandas, inclusive a presença do acompanhante das transexuais e travestis nos momentos de atendimento à saúde. Leia também o artigo: Comparecer – um comentário, do pesquisador e ativista argentino Mauro Cabral. Publicada em: 19/11/2008 |