Um diálogo estreito entre a academia e os movimentos sociais
Um ano depois de iniciadas as atividades da seção brasileira do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/Brasil), a organização é inaugurada, dando mostras da consolidação de seus dois objetivos principais: instigar a academia a refletir sobre o tema sexualidade e direitos humanos e manter um diálogo estreito com os movimentos sociais. Formado por um grupo de pesquisadores ligados ao Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o CLAM herdou a experiência do Programa de Gênero, Sexualidade e Saúde do IMS/Uerj.
Por meio de seminários, com a participação de parceiros privilegiados, e pesquisas, visando a confecção de diagnósticos, o Centro foi ampliando sua articulação com outras organizações e promovendo maior visibilidade aos temas estudados, como os que dizem respeito às relações entre sexualidade e violência, justiça, direitos civis, ciência, educação e movimentos sociais.
Na avaliação de Sérgio Carrara, membro da coordenação geral do CLAM, os cinco seminários realizados em 2003 foram um sucesso em termos de visibilidade, avaliação e diagnóstico. "Em cada um deles houve desdobramentos importantes que apontam novas reflexões. Exemplo disto foi a participação de pessoas ligadas ao movimento negro que pensam a sexualidade em espaços populares e sua relação com a violência e o tráfico de drogas".
Sérgio Carrara cita ainda que no seminário “Sexualidades e Saberes: Convenções e Fronteiras”, realizado em Campinas, ficou clara a ausência de reflexões sobre temas ligados à ciência, como transexualidade e genitália ambígua. Outro assunto que, segundo ele, merece aprofundamento, surgiu no seminário “Religião e Sexualidade: Convicções e Responsabilidades”: o posicionamento do movimento gay diante do discurso evangélico, que trata a homossexualidade como doença.
Propostas para 2004
Ao longo de 2003, os pesquisadores do CLAM prepararam quatro documentos no campo das ciências sociais e da sexualidade. Entre as metas para o próximo ano está a de trabalhar com os resultados dessa produção, incluindo aqueles referentes aos seminários realizados. “Em 2004, teremos um momento de interiorização. Vamos desenvolver um projeto integrado de pesquisa, na tentativa de construir um fórum interno de trabalho do CLAM e estaremos nos reunindo com os parceiros para o fechamento dos documentos sobre os seminários”, informa Sérgio Carrara.
Estão previstos dois seminários em 2004: o primeiro, sobre violência e sexualidade, com a parceria do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) e o segundo sobre raça e sexualidade, em conjunto com o Centro de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Candido Mendes (Afro).
O CLAM também dará início no próximo ano ao programa de bolsas e intercâmbio da América do Sul, envolvendo estudantes de cinco países: Argentina, Peru, Colômbia, Chile e Brasil. Os cursos terão duração de seis meses.
Depoimentos dos parceiros do CLAM
“A criação do CLAM reflete a importância de um movimento para colocar a esfera da sexualidade no campo da cidadania e dos direitos humanos. Em outro sentido, possibilita o maior conhecimento sobre o tema e a articulação entre a produção do saber da academia e as organizações da sociedade civil. Os seminários deste ano mostraram essa relação, com a participação de sujeitos políticos de diferentes instituições (academia, organizações da sociedade, militantes, pessoas ligadas a outros centros d e pesquisa), contribuindo para a diversidade. Acho que o grande desafio do CLAM será o enfrentamento de novas questões ao mesmo tempo em que ainda enfrenta velhas questões".
Maria Betânia Ávila – coordenadora do SOS Corpo e membro do Conselho Diretor do CLAM
“As atividades do CLAM se inserem no que denomino de terceira fase do processo de lutas sociais dos grupos populares. A primeira fase tem como eixos centrais as demandas por infra-estrutura urbana, que afetam as populações mais pobres. A segunda fase é o acesso à educação, à cultura e ao lazer, a luta por equipamentos e serviços de melhor qualidade. O desafio do CLAM é trazer as bandeiras da terceira fase, o debate sobre identidade, gênero e etnia, às classes populares. Acho que este é o sentido maior da existência do Centro. E ele cumpre um papel fundamental nesse sentido".
Jailson de Souza e Silva – coordenador do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm)
"O CLAM chega em um momento importante porque articula temas e aspectos que estavam relativamente apartados. Havia uma tradição de debate sobre gênero, uma tradição de debate sobre homofobia e uma tradição de debate sobre racismo. O CLAM se inscreve nessas três tradições, mas aponta caminhos futuros que articulam atores e temas, ajudando a construir um campo de estudos, pesquisas e formação em “sexualidade e direitos”, que é mais amplo e mais compreensivo do que cada um dos campos separadamente e ao mesmo tempo dá um sentido político contemporâneo aos debates. Em particular para a minha área de estudos - de violência e direitos - articular esses campos produz novidades que são muito bem vindas".
Silvia Ramos – coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes (Ucam)
"Já existe no Brasil e na América Latina uma produção de diferentes saberes sobre sexualidade, no campo das ciências sociais, da biomedicina, da sexologia, dos movimentos sociais. É importante ampliar o olhar crítico e analítico sobre esta produção, questionando o como, por quem e para quê saberes sobre sexualidade são produzidos em nossa região. O apoio e a participação dos movimentos sociais que têm a ver com sexualidade, assim como junto a diferentes esferas de interesse (jurídica, acadêmica, comunitária), são necessários para promover o questionamento, a articulação, o intercâmbio e a solidariedade entre diferentes atores e instituições envolvidos. É nesta perspectiva, que as ações do CLAM vêm se desenvolvendo para reforçar canais de comunicação, estimular a pesquisa e defender o acesso a uma cidadania plena, que promova inclusive os direitos sexuais".
Veriano Terto Jr. – coordenador geral da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), professor visitante do PPGAS/NUPACS/UFRGS e membro do Comitê Diretor do CLAM