A Universidade de Brasília e o Congresso Nacional sediaram a II Conferência da Associação de Brasileira de Estudos da Homocultura, em Brasília, entre 16 e 19 de Julho. O evento, marcado pela interdisciplinaridade, reuniu pesquisadores, militantes, estudantes e acadêmicos em torno da discussão sobre homossexualidades. Contemplando não apenas o debate político a respeito do tema, mas também as experiências de sociabilidade, de conjugalidade e homoafetividade, além de trabalhos voltados para a discussão das novas identidades homoeróticas, a Abeh contou com a apresentação de quase de 200 trabalhos, segundo a organização do evento, tendo também representação internacional, com pesquisadores do Canadá, Inglaterra, EUA, Peru, Argentina e México. A análise da produção cultural sobre homossexualidade (cinema, vídeo, fotografia e literatura homoeróticas) também procurou chamar atenção para a necessidade de discutir o assunto em uma perspectiva interdisciplinar. Uma mostra audiovisual, que apresentou filmes de curtas e média duração (documentários e ficções) no Centro Cultural Banco do Brasil, fez parte da extensa programação, que terminou em 20 de junho, com a 7ª Parada de Lésbicas Gays, Transgêneros, Bissexuais e Simpatizantes de Brasília. O encontro, que teve como título “Imagem e Diversidade Sexual”, mostrou sobretudo a grande diversidade cultural e de experiências em torno do tema da homossexualidade em uma perspectiva global.
Centro Latino Americano participou em diferentes sessões de comunicação e mesas redondas
O CLAM participou e apoiou diferentes espaços de discussão do tema na II Abeh. A mesa redonda Subjetividades e Outras Famílias, coordenada por Mirian Grossi (membro do comitê diretor do Centro e também professora do programa de pós-graduação interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina), trouxe à discussão o polêmico tema da homoparentalidade. Mirian Grossi apresentou reflexão sobre as novas configurações familiares, enfocando as famílias gays e lésbicas no Brasil, considerando principalmente que a temática tem aparecido recentemente principalmente através da mídia e da mobilização das organizações GLBTT em torno da lei de parceria civil, que tramita no Congresso Nacional há vários anos. Para a pesquisadora, a experiência da família lésbica no Brasil, por exemplo, tem sido menos um projeto individualista (como ocorre na França), do que uma possibilidade de legitimação do vínculo homossexual no espaço familiar: “Enquanto na França, trata-se de um projeto do casal, ter filhos e uma família gay, no Brasil, a chegada de uma criança reforça os vínculos do casal (lésbico) com as famílias consangüíneas”. Trata-se de um efeito inesperado, que colabora na aquisição de um lugar para o casal de lésbicas no interior da família.
União civil e homoparentalidade também foram temas tratados nas demais apresentações. A Juíza Maria Berenice Dias falou sobre as concepções de homoafetividade na justiça, considerando que visões conservadoras e preconceito por vezes inibem o legislador de aprovar leis voltadas para minorias consideradas fora dos padrões aceitos pela sociedade. A professora da UERJ e pesquisadora do Clam Anna Paula Uziel apresentou trabalho sobre a adoção de crianças por casais gays brasileiros nos anos 90, na comunicação que teve como título “Parentalidade, homossexualidade e justiça”. Para a pesquisadora, a homossexualidade, nos casos que estudou, não foi empecilho à adoção de crianças. Nos 8 processos que analisou buscava-se assegurar a existência de condições emocionais e sociais por parte do requerente para a criação de filhos. Se a homossexualidade não figurava como algo elemento im possibilitador da adoção, por outro lado, a valorização de aspectos normalmente associadas ao universo femininos como sensibilidade, capacidade de cuidado, são valorizados enquanto atributos necessários à criação de um “bom ambiente familiar”: “Em alguns casos, o vínculo estável entre dois homens, pode até ser percebido como uma motivação para a adoção por ressaltar a capacidade de estabelecer vínculos do casal”, conta Ana Paula. O discurso jurídico, conclui a pesquisadora, é paternalista e regula as relações homossexuais, mas pode-se pensar esta intervenção como necessária, uma vez que, freqüentemente, as instituições jurídicas são convidadas a se posicionar sobre a matéria. Luiz Mello, professor da UFG também refletiu acerca da conjugalidade homossexual, mostrando como o modelo familiar moderno se reproduz no âmbito das relações homoeróticas. A comunicação, que teve como título “Casamento, união estável e parceria civil: por onde andará a família homossexual no Brasil?, mostrou como um discurso vem se consolidando no que se refere a um modelo de família homossexual no Brasil, onde um ideal de realização amorosa e sexual transcende as orientações sexuais dos indivíduos.
A mesa redonda Religião e Homossexualidade, também foi destaque na II Abeh, apresentando diferentes perspectivas analíticas. Moisés Alessandro Lopes, da Universidade Estadual de Londrina, que analisou o debate em torno do projeto de parceria civil de Marta Suplicy através dos Anais da Câmara dos deputados, apresentou comunicação que enfocou o discurso religioso nos relatórios das sessões da Camada dos Deputados. Segundo o pesquisador, boa parte dos argumentos que sustentam a inviabilidade do projeto, são de cunho religioso, garantindo que sua aprovação contribuiria para a desestruturação da família brasileira.
As demais apresentações enfatizaram as dificuldades e dilemas enfrentados principalmente por homens religiosos que se descobrem gays. Enquanto Marcelo Natividade, doutorando em antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, falou sobre a experiência de conversão religiosa de homens evangélicos que buscavam pela religião uma re-orientação sexual, Marco Antônio Torres, mestrando da Universidade Federal de Minas Gerais, ressaltou o conservadorismo doutrinário católico no que se refere ao interdito sobre a homossexualidade. O pesquisador, que estuda a homossexualidade entre padres e franciscanos, acredita que, apesar da relativa tolerância por parte de alguns religiosos, o cenário predominante perpetua preconceitos. Para ele, o debate em torno da sexualidade tem conotação política. André Sindie Muskoff, do Instituto Eumênico de Pós-Graduação em Teologia (RS), revelou a existência de uma emergente teologia gay, entre os evangélicos, no Brasil, principalmente a partir das últimas décadas.