O jurista português José Augusto Ferreira da Silva, membro da Ordem dos Advogados de Portugal, participou do debate “Aborto: saúde pública, descriminalização e direitos sexuais e reprodutivos”, ocorrido no dia 7 de agosto, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Rio de Janeiro, falando sobre o tema “Propostas para a revisão da legislação sobre aborto no Brasil e contribuições da experiência portuguesa”. José Augusto abordou as condições socioculturais e políticas em que o processo de referendo se desenvolveu e apresentou o quadro legal decorrente da descriminalização do aborto em Portugal. Os procedimentos começaram a ser feitos no país a partir do dia 15 de junho deste ano.
“Mais importante do que dizer se eram 100 ou 10 mil mulheres que faziam o aborto, o que interessava era a gravidade da situação, já que eram as mulheres mais pobres que faziam a procedimento em condições trágicas e degradantes, com conseqüências nefastas. As mais ricas iam para a Espanha e para a Inglaterra para se submeterem à cirurgia em ótimas condições”, observou.
O primeiro referendo aconteceu em Portugal em 1998, quando 51% das pessoas optaram por não modificar a legislação. Segundo o jurista, o segundo plebiscito foi realizado muito em função da pressão exercida pelo Parlamento Europeu no sentido da necessidade de descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez, a exemplo dos outros países do continente.
“Feito o referendo, surge a lei que alterou o Código Penal, que antes punia a prática do aborto”, relatou. “A lei é cautelosa, porque ainda há uma resistência forte em nosso país à idéia de interrupção da gravidez. O texto esclarece que deve haver uma consulta prévia de pelo menos três dias de antecedência, onde são explicados os riscos da decisão tomada. A lei também define que a mulher pode escolher o estabelecimento de saúde onde vai realizar o procedimento. De acordo com a lei, todos os profissionais devem estar preparados para atendê-la”, disse ele.
O jurista também ressaltou que a obrigatoriedade do registro feito atualmente vai tornar possível saber – ou pelo menos ter uma idéia – de quantos abortos eram feitos no passado em Portugal.
Aborto: Igreja e fiéis discordam
Presente na mesma mesa, a socióloga Dulce Xavier, da organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), falou sobre a pesquisa por elas encomendada ao Instituto IBOPE, em que 59% dos católicos entrevistados afirmaram ser contra a condenação ao aborto em qualquer caso pela Igreja Católica. A pesquisa entrevistou 2002 pessoas em 141 municípios do Brasil, entre os dias 17 e 21 de maio, logo após a visita do Papa Bento XVI ao país. Os brasileiros foram questionados sobre métodos anticoncepcionais, prevenção da AIDS, aborto legal nos serviços públicos e laicidade do Estado.
Dulce comparou os resultados da pesquisa de maio com os dados produzidos em outra investigação sobre esses mesmos temas, feita em abril, um mês antes da chegada de Ratzinger. “Em abril, 45% da população geral entrevistada discordava da condenação da Igreja Católica ao aborto; em maio, esse número subiu para 59%. Entre os católicos, a objeção à condenação da igreja subiu de 52% para 59%”, observou a pesquisadora.
"Este dado é importante porque contradiz o discurso dos representantes da hierarquia da Igreja no Brasil, quando justificam sua campanha permanente de manifestações públicas contrárias ao aborto. Também evidencia a falta de sintonia do papa e dos bispos com o pensamento dos fiéis que eles dizem representar e, mais interessante ainda, mostra que o discurso do papa no Brasil não convenceu os católicos. Ao contrário, depois da visita, aumentou o percentual de fiéis em desacordo com a Igreja na questão do aborto", explicou Dulce Xavier.
Segundo ela, o debate que se formou antes ainda da visita do papa pode ter contribuído para esses resultados. “O fato de Lula ter reafirmado a laicidade do Estado e a condenação de Ratzinger aos parlamentares mexicanos, depois da descriminalização do aborto na cidade do México, propiciaram esse debate. A resistência e a fala radical que não respeita o direito das mulheres estão ultrapassados e não condizem com a realidade que estamos vivendo”, finalizou a socióloga.