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Investigando a sexualidade
No dia 25 de agosto, os pesquisadores Juliet Richters (National Centre in HIV social research/University of New South Wales, Austrália), Michel Bozon (INED/França), Maria Luiza Heilborn (CLAM/IMS/UERJ) e Cristiane Cabral (CLAM/UERJ) reuniram-se em torno do painel Pesquisas Quantitativas em Sexualidade. O painel foi coordenado por Regina Barbosa (Unicamp) e abordou resultados de pesquisas em sexualidade realizadas no Brasil, na França e na Austrália. Juliet Richters A pesquisadora australiana Juliet Richters apresentou dados da pesquisa Sex in Australia, iniciada em 2002, que enfocou a vida sexual dos australianos no século 21. Através de entrevistas com 19.307 pessoas, o estudo levantou, entre outras questões, a idade que as pessoas iniciam sua vida sexual, suas concepções a respeito do tema, a freqüência com que fazem sexo, (in)fidelidade, orientação sexual, gravidez, e satisfação sexual. “Nos últimos 20 anos, houve uma diminuição no padrão da moralidade sexual em nosso país. Observamos o crescimento de práticas como o sexo oral nos relacionamentos. Mas a maior mudança na cultura sexual australiana, nos últimos anos, diz respeito ao fato de que as pessoas estão casando mais tarde, embora tenham, atualmente, um número maior de parceiros antes do casamento”, iniciou. Segundo ela, embora a população australiana se mostre muito tolerante em relação a questões como o aborto e a homossexualidade, são extremamente intolerantes com a infidelidade. “Os resultados mostram que 78% dos entrevistados achavam errado uma relação extra-conjugal. O que eu me perguntava era se essa série de relacionamentos instáveis não seria resultado da intolerância com a infidelidade”, observou Juliet. Ela ressaltou que a cultura sexual australiana é bem diferente da americana, a qual é normalmente sempre citada pela mídia mundial, e que o objetivo da pesquisa na Austrália era exatamente tratar o sexo como algo não excepcional. “O estudo serviu para isso, na medida em que mostramos que este pode ser um assunto tratado numa pesquisa feita pelo telefone”, disse ela. “Nosso primeiro questionamento era se as pessoas dizem a verdade numa investigação sobre sexo”, lembrou. “Eu diria que não, que eles não dizem a verdade o tempo todo”. Segundo ela, as pesquisas feitas pelo telefone são mais fáceis, porque as pessoas entrevistadas se sentem mais à vontade para falar com alguém que elas não estão olhando face a face. Para ela, quanto mais longa a entrevista, menos as pessoas mentem. “De maneira geral, as pessoas se recusam menos a falar de sexo do que de seus salários”, afirmou. O inquérito levantou ainda questões relativas à Aids e às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Os resultados do estudo podem ser acessados através do site www.latrobe.edu.au/ashr
O pesquisador francês Michel Bozon fez uma revisão crítica das pesquisas quantitativas em sexualidade . “Não devemos esquecer que essas pesquisas não são ferramentas neutras e devem ser analisadas como um modo pelo qual se percebe que uma determinada população tem um problema e que precisa ser resolvido. Uma pesquisa contribui em construir e legitimar um sujeito social”, disse ele. Bozon coordenou o Estudo Cosecon: Comportamento Sexual no Cone Sul – primeira pesquisa sobre sexualidade realizada no Chile depois do longo período sob o regime militar do ditador Augusto Pinochet – foi um dos organizadores da pesquisa Gravidez na Adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil (Pesquisa GRAVAD) cujos resultados acabam de ser lançados no livro O aprendizado da sexualidade (CLAM/Ed. Garamond/Ed. Fiocruz), e coordenou a nova pesquisa francesa sobre sexualidade, realizada com 12 mil pessoas. “O objeto sexualidade nunca é o mesmo de uma época para outra, ou de um país para o outro. Porém, há sempre um motivo que legitima a observação”, afirmou. O sociólogo francês fez um relato histórico das pesquisas no campo. “Embora não tenha sido o primeiro a realizar uma pesquisa quantitativa em sexualidade, Alfred Kinsey é considerado como o pioneiro. Para ele, os estudos em sexualidade humana inscreviam-se no campo das ciências naturais. O objetivo da investigação kinseyana era dar uma descrição objetiva e exaustiva de toda a diversidade do comportamento sexual, sem restringir-se ao moralmente aceitável”, observou Bozon. Bozon passou então a uma segunda geração de pesquisas quantitativas, realizadas no final da década de 60 e início dos anos 70. “A época era caracterizada pelas aspirações dos jovens adolescentes à autonomia sexual. Essas pesquisas procuravam principalmente abordar a vida sexual habitual dos casamentos adultos, evidenciando uma diversificação dos repertórios sexuais, com perguntas sobre as práticas e as posições. Essas pesquisas também demonstravam um interesse nas práticas homossexuais”, lembrou. No final dos anos 80 e início dos 90, segundo ele, a emergência da Aids contribuiu para modificar a abordagem da sexualidade. “Cabe destacar as pesquisas demográficas em saúde, as da OMS sobre Aids e as pesquisas dos Estados Unidos, do Chile e do Brasil. Com uma nova visão e nova abordagem da sexualidade como um risco, nos afasta bastante da visão mais otimista da década de 60. Neste período, não se observa mais o sexo como prazer ou como arte. A atividade sexual gera um risco. O objetivo, através dessas pesquisas, era avaliar se o sujeito se protegia. De um modo geral, essa pesquisas eram consideradas como um apoio a campanhas e ações de saúde pública, para melhorar a prevenção”, disse. O pesquisador lembrou que, na virada do século 20, surgiram as pesquisas quantitativas em sexualidade com uma característica comum: tentar integrar o gênero à saúde e às condições de vida para apresentar um mapa explicativo mais abrangente. Segundo ele, nessa nova geração, a sexualidade é definida de uma forma mais ampla e a noção de risco passa a ser utilizada de maneira mais pontual. “O mais importante é que se passou a contextualizar os comportamentos e a se entender sexualidade como uma produção contextual. Por exemplo, os comportamentos sexuais não fazem sentido se não estiverem situados nas trajetórias individuais. A investigação em sexualidade tem que reconstruir o conjunto complexo dos elementos que se somam para constituir a experiência sexual individual”, relatou. Segundo ele, as pesquisas da última geração também procuram alcançar uma abordagem mais ampla da relação saúde/sexualidade. “Pode-se estabelecer vínculos nos dois sentidos. O estado de saúde influencia a atividade sexual, por exemplo o diabetes, e, reciprocamente, a atividade sexual pode influenciar a saúde e o bem estar”, finalizou. Maria Luiza Heilborn e Cristiane Cabral Representando Maria Luiza Heilborn, a pesquisadora Cristiane Cabral, mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), apresentou o paper Sexualidade e reprodução juvenis no Brasil: em que contribuem para a saúde os inquéritos sobre sexualidade?, de autoria de Maria Luiza Heilborn (CLAM/IMS/UERJ), tendo como base a pesquisa Gravidez na Adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil (Pesquisa GRAVAD), realizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal da Bahia (UFBa) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Ao falar em sexualidade dos jovens, o objetivo da equipe GRAVAD era substituir um debate apaixonado por uma abordagem que priorizasse a compreensão do processo de aprendizado da sexualidade e das relações de gênero nesta etapa da vida”, disse ela. Segundo ela, o mote da pesquisa era mostrar que a sexualidade não se resume a práticas ou comportamentos, mas enseja a operação de diferentes articulações com diferentes domínios sociais, sendo certamente o mais forte modo como se estruturam as relações de gênero em um determinado contexto. “A sexualidade como domínio social dependente de socialização jamais é a mesma em tempos e lugares distintos. O argumento desenvolvido a partir da Pesquisa GRAVAD é o do cenário social e interrelacional – estruturado por prescrições de gênero – e crucial para a compreensão do processo de passagem ao exercício da sexualidade com parceiro na atualidade”, afirmou. A pesquisa GRAVAD constatou que a iniciação sexual acontece numa idade mediana de 16,2 anos para os rapazes e 17,8 anos para as moças e que a passagem à sexualidade se realiza na maioria das vezes com o parceiro sendo experiente, apresentando um uso elevado de preservativo. “Contrariamente ao senso comum, a gravidez na adolescência no país não ocorre num cenário de permissividade sexual”, salientou a pesquisadora. Os resultados do estudo mostram uma relação bem mais complexa entre gravidez na adolescência e evasão escolar. “Encontramos uma realidade freqüentemente ignorada no debate público acerca da gravidez na adolescência: a de que 40,2% das moças que engravidaram e tiveram filho já se encontravam fora da escola. Isto quer dizer que para tal parcela não é a gravidez que as impede de uma maior escolarização. No caso das mães adolescentes, 27,6% interromperam temporariamente e 18,4% definitivamente seus estudos, no primeiro ano após o nascimento do filho”, citou ela. Cristiane terminou a exposição ressaltando a importância de uma investigação como a GRAVAD dentro do contexto cultural brasileiro. “Nosso intuito, ao complexificar o quadro da sexualidade e reprodução juvenis, foi o de salientar que as desigualdades sociais se exprimem de maneira acentuada em espaços que potencialmente seriam definidos como de escolha exclusivamente individual”, finalizou. Publicada em: 30/08/2006 |