Responsável por importante teoria sociológica da sexualidade desenvolvida nas décadas de 60 e 70, o sociólogo norte-americano John Gagnon lançou, na quarta-feira, 26 de abril, o livro Uma interpretação do desejo (CLAM/Editora Garamond). O lançamento, realizado no Museu da República, contou com mesa-redonda composta pelo psicólogo social Alain Giami, diretor de pesquisas no Institut Nacional de Santé et Recherches Médicales, em Paris, e pela antropóloga Maria Luiza Heilborn, professora do Instituto de Medicina Social da Uerj (IMS) e coordenadora do CLAM.
A agenda do sociólogo no Rio incluiu ainda a palestra “Sexualidade, desejo e risco em tempos de Aids”, que ele ministrou na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na quinta-feira, 27. O evento aconteceu às 14h no Auditório LABORE na Uerj, (Rua São Francisco Xavier, 524/2º andar – sala 60 Bloco D – Maracanã). A palestra, organizada pelo Instituto de Medicina Social (IMS), pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) e pelo CLAM, teve entrada gratuita.
Primeira obra de Gagnon traduzida para o português, Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade apresenta um conjunto de ensaios teóricos e uma reflexão sobre a trajetória de John Gagnon, e mostra como o autor construiu sua inovadora proposta teórica. O estudo social da sexualidade proposto por Gagnon se contrapõe em relação às dimensões naturais e biológicas que fundamentavam os marcos intelectuais da época. Em sua obra, a sexualidade é concebida como um fenômeno socialmente construído, atribuindo-se um estatuto sociológico à sua pretensa dimensão natural. A sexualidade é tratada como um comportamento roteirizado. Assim, Gagnon propôs, de forma pioneira, uma mudança considerável na maneira de pensar a sexualidade.
Num prólogo autobiográfico, ele apresenta alguns aspectos de sua vida pessoal e profissional, desde a infância aos anos na Universidade de Chicago, onde se formou em 1959, berço da sociologia do pós-guerra dos Estados Unidos. Para Gagnon, a escrita autobiográfica é resultante de um complexo processo de seleção de eventos e lembranças. "Esta versão será plena de ausências negadas e de presenças ilusórias, de vozes sufocadas e de repetições: como outras versões, ela vai aumentar as verdades e os jogos de aparências fantasiosas”, diz ele.
Segundo o psicólogo social Alain Giami, “a escolha por iniciar um livro com um ensaio autobiográfico pode ser interpretada como um posicionamento teórico que considera que a prática da ciência está intimamente vinculada à vida pessoal do pesquisador”. Ao ler o prólogo de Uma interpretação do desejo tem-se a sensação de que a interpretação de Giami é precisa. Ao recordar a adolescência, Gagnon conta: “Aprendi a beijar com a língua ao ler Forever Amber e sobre a excitação de levantar a saia de uma garota ao ler Studs Lonigan – uma emoção que adquiri sem saber o que deveria espiar embaixo das saias”. Nesta lembrança, ele coloca em prática, ainda menino, uma teoria que ele mesmo desenvolveria muitos anos depois e que o faria ganhar notoriedade: a dos “roteiros” sexuais.
Foi com o colega William Simon, falecido em 2000, no Instituto Kinsey no final dos anos 60, que Gagnon elaborou a teoria dos “roteiros” sexuais, apresentada pela primeira vez no livro Sexual Conduct (1973). Segundo esta teoria, as experiências sexuais decorrem de aprendizados sociais: foram codificadas e inscritas na consciência dos indivíduos, que aprendem a identificar e a produzir situações sexuais. Em outras palavras, segundo essa abordagem, “roteiros” sociais organizam as diferentes formas de comportamento sexual, em contexto interpessoal e intrapsíquico. Nesse enfoque, as experiências sexuais (como a masturbação, a iniciação sexual etc) não são simplesmente reduzidos às diversas atividades corporais realizadas por uma pessoa com um ou mais parceiros.
A teoria dos roteiros sexuais de Gagnon e Simon teve um impacto significativo nos movimentos de liberação feministas e entre ativistas gays. Com o advento da AIDS, a abordagem de Gagnon e Simon sobre a roteirização da conduta sexual ganhou uma nova importância: compreender os roteiros sexuais permitiu que os investigadores identificassem os riscos de infecção por HIV nas atividades sexuais e desenvolvessem estratégias de prevenção.
Durante a década de 1990, Gagnon tornou-se conhecido por seu investimento na pesquisa empírica sobre HIV/AIDS, apoiada em análises sociológicas, ,e por sua participação como especialista na National Health and Social Life Survey (NHSLS). Em diferentes fases de sua carreira, Gagnon tem se dedicado a diversos temas da vida sexual, relacionados a variados grupos, dentre os quais os adolescentes, os gays, as lésbicas e a pornografia. Atualmente, Gagnon é professor da Universidade do Estado de Nova York, em Stonybrook.