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O fazer e o desfazer dos direitos

Os desaparecimentos de pessoas no Brasil, os sentidos e representações dadas ao infanticídio indígena em alguns veículos da mídia e a análise da construção da pedofilia como problema político são alguns dos temas abordados na coletânea O fazer e o desfazer dos direitos: experiências etnográficas sobre política, administração e moralidades (Editora e-papers), organizada pela antropóloga Adriana Vianna (PPGAS/Museu Nacional/UFRJ). Nas diversas situações retratadas nos textos – frutos de etnografias realizadas pelos/as autores/as –, os elementos mais comumente identificados ao campo formal dos “direitos” (como legislações, aparatos judiciais ou instituições policiais) são colocados em xeque, acusados de serem injustos, insensíveis, indiferentes e desinteressados.

Apesar dos focos etnográficos diversos, os textos apresentados no livro mostram eixos em comum, como as interações entre agentes do Estado e outros atores sociais que se percebem como “fora” dele, as conexões entre dramas singulares e causas políticas, e os efeitos da separação entre Estado e sociedade e suas implicações. Tais interações são percebidas com clareza no texto de Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira, cuja etnografia acompanha, por um lado, o registro policial de desaparecimento de pessoas e, por outro, a formação de uma rede institucionalizada envolvendo familiares, organizações civis e diferentes agentes estatais. “’Problema de família’, ‘problema de polícia’ ou, de modo sugestivamente vago, ‘problema do Estado’, os desaparecimentos de pessoas vão demarcando múltiplas ausências e engendrando a definição de faltas e de faltosos”, explica a organizadora da coletânea em sua apresentação.

Tensões semelhantes aparecem nos outros textos, como no trabalho de Cláudia Carneiro da Cunha sobre as contradições e ambigüidades em torno das decisões e “direitos, sexuais e reprodutivos” de adolescentes soropositivos que são foco de projetos implementados por ONGs, organismos da sociedade civil que são ao mesmo tempo alvo de recursos, fomentos e tecnologias de gestão estatais. Ou no texto de Rita de Cássia Melo Santos, que aborda como o “infanticídio indígena” é retratado e colocado no centro de acusações feitas por revistas e jornais, ou o drama moral e político da “pedofilia”, matéria de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que clama pela participação da “sociedade de bem”, como discute Laura Lowenkron. Ambos os trabalhos discutem como práticas e sujeitos sociais podem se tornar um “problema” no qual se deve intervir.

O texto de Martinho Braga Batista e Silva mostra como o próprio Estado pode ser responsabilizado e penalizado: nele, o autor discute as dimensões do “caso Damião Ximenes”, que levou a condenação do “Brasil” por violação dos direitos humanos no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em virtude da morte de Damião por maus-tratos sofridos enquanto internado em uma clínica conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). O “caso Ximenes”, salienta a organizadora da coletânea, “converte-se em centro de uma denúncia ‘inédita’, tanto mais expressiva porque erigida contra um Estado nacional tido como exitoso em sua política de saúde mental (...) A coesão da imagem quase antropomórfica do ‘Brasil no banco dos réus’ ofusca, mas não desfaz, desse modo, outras dimensões contraditórias plurais que compõem as dimensões judiciais, políticas, administrativas e familiares em torno dessa morte específica”.

A representação de parte do aparato da administração pública como antagonista – e não necessariamente como um órgão ineficiente – aparece de forma distinta no trabalho de Paula Lacerda sobre o “caso dos meninos emasculados” de Altamira, no estado do Pará. Ao se articularem politicamente para exigir a investigação dos bárbaros crimes que atingiram meninos da região, os familiares e ativistas constroem-se como atores em oposição a uma polícia local tida como omissa e corrupta, produzindo um antagonismo entre “movimento social” e “polícia” e arregimentando apoio de políticos, segmentos da Igreja, polícia federal, promotores e procuradores de justiça, representantes da ONU e outros.

“O acionamento de determinadas estratégias argumentativas é fundamental para que se produza, em níveis e contextos variados, a credibilidade dos atores sociais como estando comprometidos com o “fazer direito”que pleiteiam, tenha esse “fazer direito” a forma de denúncia, reivindicação, protesto ou projeto”, avalia Adriana Vianna.

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Publicada em: 27/03/2014

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