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Impactos do GDE
Durante o “Seminário GDE+5 – Processos, Resultados, Impactos e Projeções”, realizado esta semana na UERJ, foram discutidos como o curso Gênero e Diversidade na Escola tem sido oferecido nos últimos anos por universidades brasileiras, quais os efeitos gerados e os desafios que aparecem no horizonte do projeto. Desenvolvido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR) e pelo British Council, em parceria com o CLAM, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR) e o Ministério da Educação (MEC), o GDE oferece, desde 2006, formação em gênero, sexualidade e relações étnico raciais, a partir uma perspectiva transversal, a professores da rede pública de ensino. O processo de avaliação abrangeu 10 universidades (atualmente, 38 oferecem o curso pelo Brasil), de todas as regiões do país e escutou-se as opiniões de professores e professoras que cursaram o GDE entre 2008 e 2011, das diferentes equipes de coordenação, dos tutores e tutoras além de representantes da SPM/PR, SEPPIR/PR e SECADI/MEC. Também foi levantada a inserção do curso em produções acadêmicas. No primeiro dia do evento, o professor Sérgio Carrara (CLAM/IMS) destacou a importância do curso na construção de um diálogo necessário entre a universidade e a escola pública brasileira, que abriga cerca de 43 milhões de estudantes. “É uma forma de influir nos rumos da educação básica no país, a partir de uma perspectiva inclusiva e de direitos humanos”, afirmou. Um aspecto importante é o alcance geográfico do GDE. O curso está presente em todas as regiões do Brasil. Além da penetração territorial, outra característica importante levantada durante o seminário foi a promoção do contato com o ensino a distância, já que o curso, semi-presencial, é desenvolvido pela internet. “Um dos objetivos do curso é fomentar a agenda da inclusão digital. Para muitos professores cursistas, foi o primeiro contato com computador e internet”, afirmou Marcos Nascimento, coordenador do projeto de avaliação do GDE+5. Algumas localidades, conforme sublinhou o tutor Alexandre Muller, do curso oferecido pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), demandam mais de um dia de viagem. Nesses lugares distantes, a presença de discursos e representações tradicionais torna-se mais evidente. Um dos casos relatados por Alexandre Muller remete a um professor que repreendera um aluno por este usar roupas consideradas femininas. O professor tentou mudar o comportamento do estudante. O curso teve um papel importante nesse caso. “O professor foi apresentado a um conhecimento que o levou a refletir sobre a atitude que tomara. Esse é um resultado concreto do GDE, pois mostra que a reflexão e a aceitação são possíveis, ao invés da saída fácil da repressão contra aquele que não se enquadra nas normas hegemônicas”, afirmou Alexandre Muller. Para Antonio Lopes, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o curso é um esforço importante no país, sobretudo tendo em vista o recuo do governo federal em políticas de diversidade sexual. “O GDE persiste em um cenário de adversidade. O kit anti-homofobia foi suspenso. O governo federal tem se omitido de tratar da questão. No Espírito Santo, por exemplo, a violência contra a mulher é muito alta, assim como os casos de homofobia. Por isso, o GDE tem um papel de intervenção muito importante no estado”, lembrou Antonio Lopes. A intervenção se dá a partir de um caráter transversal, que permite que os/as cursistas tenham contato com os marcadores sociais de gênero, raça/etnia e orientação sexual. Isto é, os estudantes podem refletir e discutir como as representações mais comuns são culturalmente construídas e estão imbricadas. Nesse sentido, o curso oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) estimulou uma professora do ensino maternal, no município de Santa Vitória do Palmar, a levar tais temáticas para crianças de 3 a 4 anos. Uma série de atividades foi preparada para as crianças: desenhos sobre o uso das cores, os modos de vestir, os cortes de cabelo e os adereços utilizados de modo a refletir sobre a diversidade que pode existir para além das imagens tradicionais de homem e mulher; auto-retratos, através do quais os alunos puderam notar as diferenças entre si de uma maneira respeitosa; painel sobre a divisão sexual do trabalho, discutindo como as tarefas podem ser compartilhadas e feitas por qualquer um independente do sexo/gênero; exibição de desenhos animados que privilegiam personagens brancos como princesas e heróis, de modo a gerar discussão sobre a questão racial. Entre tantas atividades, de acordo com Raquel Quadrado (FURG), traços da desigualdade foram registrados entre as crianças. Em uma oficina sobre a história do Rio Grande do Sul, a imagem de um personagem negro suscitou o comentário de um dos alunos: “a cor dele é feia”. “A desigualdade e o preconceito são transmitidos no meio em que vivemos. Essas crianças não nascem com essas concepções. Aprendem isso na rua, em casa. Por isso, o GDE tem um papel relevante, pois consegue quebrar a lógica preconceituosa e orientar crianças de maneira que elas irão ter uma visão crítica da realidade, não reproduzindo preconceito”, destacou Raquel Quadrado (FURG). Tal lógica também se encontra no âmbito da administração. Adriana Vital, representante da Secretaria Municipal de Teresópolis e ex cursista do GDE, falou sobre as dificuldades de levar à frente o projeto. “As resistências estão por todos os lados. A discussão, o planejamento e a execução de atividades sobre diversidade nas escolas esbarram no receio dos gestores em levar discussões, em especial sobre sexualidade e gênero, para a escola. “Notamos que há obstáculos. Muitas vezes, há apreensão sobre como os pais irão lidar com o contato dos filhos com tais temáticas. Além disso, a questão religiosa é um entrave, pois muitos pais discordam que seus filhos lidem com discussões contrárias a preceitos religiosos. Naturalmente, são questões centrais na definição das políticas de educação. Por isso, devemos persistir para inserir tais discussões dentro da escola”, afirmou Adriana Vital. São os pais quem geralmente se opõem a projetos de diversidade. A professora de educação física Tatiana Moura, do Pará e ex-cursista do GDE, enfatizou que o machismo é um entrave na orientação das crianças. “A ideia de que o futebol é apenas para meninos é muito forte. Por isso, nas minhas aulas, não faço separação por sexo na prática dos esportes. No entanto, é comum pais virem até mim para reclamar que não querem suas filhas jogando futebol, argumentando que elas são frágeis”, destacou Tatiana Moura, para quem o GDE lhe forneceu embasamento teórico para organizar cotidiano de maneira inclusiva e saber contra-argumentar diante de resistências. A experiência do GDE tem se manifestado de diversas formas. Em cada localidade, as dinâmicas de gênero, de relações étnico raciais e de orientação sexual são distintas. Da mesma forma, a diversidade geográfica apresenta cenários distintos. Ao buscar as opiniões de ex cursistas, o GDE+5 aponta a capacidade transformadora do projeto. De acordo com Marcos Nascimento, coordenador do processo de avaliação, o curso pode ser sintetizado pelos verbos “provocar, inquietar e contaminar”. “É comum que cursistas tenham um choque inicial, diante de perspectivas que desconhecem e que contradizem representações consolidadas no senso comum. Por isso, muitos deles deixam de ser indiferentes a situações que surgem no cotidiano escolar. Passam a lidar de maneira crítica diante de casos de homofobia, por exemplo. Um cursista, ao ouvir um aluno chamar o outro de ‘viado’, parou a aula e passou a discutir o termo e seu significado. Assim, tornou-se um ator importante para levar reflexões inclusivas para as crianças e os adolescentes. Além disso, os cursistas também levam o GDE para suas casas, mudando a relação com o parceiro/a e com os filhos, e para as igrejas”, finalizou Marcos Nascimento. Clique aqui para saber as universidades que oferecem o curso GDE. Publicada em: 06/02/2014 |