“Como se não bastasse ferir a soberania nacional, a USAID pretende agora interferir na vida sexual dos brasileiros, impondo a abstinência como única forma de prevenção às DST/AIDS”, começa o texto escrito pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) em repúdio à iniciativa da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) de tentar pressionar o Brasil a adotar uma política de prevenção ao HIV/Aids com foco na abstinência, por meio de documento destinado ao Congresso norte-americano. Através do documento, a USAID justificava o orçamento de ações referentes ao HIV/Aids para 2005/2006, onde se previa ações de prevenção para adolescentes com foco na abstinência e na fidelidade, política contrária às premissas adotadas pelo Brasil.
Segundo a Agência de Notícias da Aids, o documento causou espanto ao diretor do Programa Nacional de DST/Aids, Pedro Chequer, que encaminho uma carta convidando a USAID a participar da reunião da CNAIDS, no dia 28 de março, para expor a programação que eles têm para 2006, para ser discutida e apreciada pela Comissão e para “demandar formalmente que seja excluído da programação da USAID no Brasil esse tipo de abordagem”.
Chequer lembrou que, em reuniões do governo brasileiro com a USAID, acontecidas em 2005, o que ficou acordado foi uma política mais ampla no entendimento da prevenção às DST/Aids. “Isto seria abstinência, ser fiel e preservativo (ABC) - uma abordagem que contemplasse todo o elenco da prevenção na transmissão sexual. O que está proposto na mensagem ao Congresso é “A” (abstinência) para adolescentes, “AB” (abstinência e fidelidade) para os trabalhadores no local de trabalho. Onde está a abordagem mais ampla?”, questionou.
A Coordenadora Geral da ABIA, Cristina Pimenta, ressaltou que a abstinência não pode existir como estratégia de prevenção. “Não aceitamos esta imposição. Infelizmente, alguns países da América Latina aceitam isso. As pessoas mais vulneráveis, os adultos têm direito de exercer sua sexualidade. Quando falta o “C” (condom-camisinha), não podemos aceitar. Propor abstinência a pessoas jovens vai contra as evidências científicas de estudos realizados no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos. No ambiente de trabalho, eles estão excluindo camisinhas como forma de prevenção para pessoas que têm vida sexual ativa”, explicou ela.
Para a pesquisadora Sonia Correa (ABIA), Co-Coordenadora do Grupo Internacional para Sexualidade e Política Social, a abordagem impositiva de uma agenda moral na área do HIV tem sido, desde 2001, um elemento estratégico da política norte-americana. “Este é um ponto principal da agenda em países em desenvolvimento que dependem dos recursos de financiamentos externos e tem sido usado como instrumento de coerção,” comentou Correa.
Veja a íntegra do texto de repúdio da ABIA:
USAID, AGÊNCIA DE COOPERAÇÃO DO GOVERNO NORTE-AMERICANO , INSISTE EM CONFRONTAR NOSSA SOBERANIA E O PROGRAMA NACIONAL DE DST/AIDS
Como se não bastasse ferir a soberania nacional, a USAID pretende agora interferir na vida sexual dos brasileiros, impondo a abstinência como única forma de prevenção às DST/AIDS.
Você aceita que o governo norte-americano diga o que você deve fazer na cama, algo que não é feito pelo próprio governo brasileiro? Segundo as estimativas feitas no início dos anos 1990 pelo Banco Mundial, o Brasil teria hoje o dobro do número de infectados pela epidemia. Para nossa satisfação, as estimativas se mostraram equivocadas e isso graças a manutenção das estratégias de prevenção que incluem a distribuição de preservativos e o respeito aos direitos humanos.
Acreditamos que somente uma política coerente, baseada na participação cidadã, na autonomia, no bom senso, na pesquisa científica e no uso do preservativo, poderemos frear a disseminação das DSTs/AIDS não só no Brasil, mas em todo mundo. O respeito as diferenças culturais, a soberania e ao conhecimento são essenciais para o enfrentamento de uma epidemia ainda incurável. É inadmissível que, em pleno século XXI, ainda vejamos ideologias comuns na Idade Média - ou idade das trevas - serem postas em prática por um governo que se diz democrático, laico e desenvolvido. Exigimos respeito à nossa soberania e ao livre arbítrio do cidadão!