O livro Corpo, envelhecimento e felicidade, organizado pela antropóloga Mirian Goldenberg (IFCS/UFRJ), tem como tema central o significado do processo de envelhecimento em nossa cultura, mostrando como, na sociedade brasileira, homens e mulheres vivenciam, percebem e elaboram as mudanças corporais, culturais, sociais ou psicológicas resultantes da passagem do tempo.
A publicação é resultado de um seminário internacional realizado em setembro de 2011, que contou com a participação do sociólogo francês Vincent Caradec e pesquisadores brasileiros como Myriam Lins de Barros, Guita Debert, Clarice Peixoto, Renato Veras, Yvonne Maggie, Andrea Moraes Alves, Maria Laura Cavalcanti, José Carlos Rodrigues e outros que, por meio de pesquisas empíricas, refletiram sobre o envelhecimento no Brasil e na França, e discutiram o envelhecimento a partir de questões como saúde, consumo, cirurgias plásticas, sexualidade, prostituição, novas tecnologias, morte entre outras.
Acompanhando a tendência de envelhecimento populacional observada pelo IBGE no Censo 2010 – reflexo do mais baixo crescimento populacional aliado a menores taxas de natalidade e fecundidade – o tema tem despertado interesse não apenas de pesquisadores, mas também dos formuladores de políticas públicas. No dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher), por exemplo, as Secretarias de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e a de Política para as Mulheres (SPM) lançaram uma portaria interministerial que prevê a criação de um Grupo de Trabalho para tratar da questão do envelhecimento com recorte de gênero. A ideia é elaborar políticas públicas específicas para as mulheres idosas.
Assim, a velhice e seus recortes vão ganhando cada vez mais destaque em jornais e revistas de grande circulação. Como colunista da Folha de São Paulo, Mirian Goldenberg percebe que suas colunas sobre envelhecimento têm mobilizado leitoras e leitores do jornal. Na entrevista a seguir, ela fala sobre a pesquisa que vem desenvolvendo e o que tem constatado em relação ao significado do processo de envelhecimento na cultura brasileira e como mulheres e homens o vivenciam em diferentes etapas da vida.
O envelhecimento é encarado de maneiras distintas por mulheres e homens?
Completamente diferente. Pesquisei homens e mulheres dos 18 aos 80 anos e perguntei sobre o medo de envelhecer. As mulheres têm muito mais medo de envelhecer do que os homens e elas enfatizam a questão da aparência. Elas têm medo das rugas, cabelos brancos, gordura, flacidez, por isso se cuidam muito mais, usam cremes hidratantes, filtro solar, vão a médicos.
Eles não falam deste medo e só os mais velhos mostram que não querem se tornar dependentes.
Elas mudam a forma de vestir à medida que envelhecem, cortam o cabelo mais curto e se preocupam muito em se adequarem à idade.
Eles não mudam praticamente nada com o envelhecimento. Só se adoecerem.
Elas, à medida que envelhecem, passam a se sentir mais livres e a valorizar a liberdade conquistada, saindo mais, estando com as amigas, viajando, fazendo cursos.
Eles, quando se aposentam, gostam de ficar em casa com a família.
Em todas as faixas etárias, homens e mulheres acreditam que os homens envelhecem melhor do que as mulheres.
Somente as mulheres de mais de 60 dizem o contrário: que as mulheres envelhecem melhor do que os homens.
Qual o significado do envelhecimento feminino na sociedade brasileira, face à supervalorização do corpo nesse contexto social?
Quando estive na Alemanha para dar conferências sobre "O corpo como capital na cultura brasileira", fiz muitas entrevistas com mulheres.
Percebi que lá, aos 60 anos, elas se sentem no auge da vida, entusiasmadas com projetos profissionais, viagens, programas culturais etc.
Voltando ao Brasil, iniciei uma pesquisa para compreender o significado da velhice na nossa cultura. As mulheres de 40 e 50 anos falaram, principalmente, da decadência do corpo e da falta de homens.
Para minha surpresa, quanto mais avançava na idade das pesquisadas, mais aspectos positivos apareciam em seus depoimentos sobre a velhice. Elas passaram a fazer coisas que sempre desejaram, como dançar, viajar, namorar, pintar, estudar etc.
Mais importante: deixaram de se preocupar com a opinião dos outros e passaram a priorizar os próprios desejos.
Percebi que, para muitas, o envelhecimento é experimentado como uma verdadeira libertação da ditadura da beleza e da juventude e, também, da obrigação de ser esposa e mãe. Elas dizem, categoricamente: “agora, pela primeira vez na vida, eu posso ser eu mesma”.
Então, quando estão mais avançadas na idade, elas passam a encarar esta etapa da vida de forma mais parecida com as mulheres alemãs?
Sim, aqui elas só descobrem o valor da liberdade mais tarde, quando poderiam ter descoberto desde cedo, assim como as alemãs.
Como analisar o envelhecimento no que tange a saúde sexual de ambos os gêneros?
Homens e mulheres mais velhos não falaram muito de sexo na minha pesquisa. Algumas mulheres falaram que se sentem mais livres para NÃO ter sexo, se sentem libertadas da obrigação de ter relações sexuais com o marido ou não querem ter parceiros sexuais. Poucas valorizam essa questão, mas dizem que querem “dar beijo na boca”, sem qualquer compromisso. Os grupos focais com mulheres de mais de 60 anos mostraram que grande parte delas está mais preocupada em viver a liberdade que conquistaram com outras mulheres, não com os homens. Somente as que são casadas com homens muito mais jovens falaram de sexo, para revelar o medo que sentiam dos maridos se interessarem sexualmente por mulheres mais jovens.
Os homens mais velhos disseram que o sexo é uma dimensão fundamental de suas vidas, mas que hoje valorizam muito mais a qualidade das relações do que a quantidade, demonstrando que têm uma vida sexual bem menos ativa do que quando eram mais jovens.
O envelhecimento é vivenciado de forma homogênea ou há diferenças na forma como as distintas faixas etárias lidam com esse processo?
Até os 50 anos, as mulheres demonstram muito medo da velhice. Com o passar dos anos, elas passam a falar dos aspectos positivos do envelhecimento: liberdade, segurança, maturidade, descobertas.
Os homens não se preocupam tanto com a velhice, e muito menos com a questão da aparência, em todas as faixas etárias. Somente quando experimentam algum limite concreto passam a se sentir velhos.
Os homens demonstram, mais do que as mulheres, preocupações com questões financeiras e com a dependência física, em todas as faixas etárias.
Já as mulheres param de falar da aparência depois dos 60 anos, passando a enfatizar outras questões, como lazer, estudos, amizades.
Outra diferença é que a valorização da família, filhos e netos apareceu muito mais nos discursos dos homens de mais de 60 do que nos das mulheres de todas as faixas etárias.