Uma das pesquisadoras da PNDS 2006, a demógrafa Laura Wong, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG), acredita que o dado que mais chama a atenção na pesquisa é o fato de ter diminuído significativamente o abismo entre a fecundidade desejada e a fecundidade real. “Ainda existe um contingente importante de mulheres que não conseguem implementar suas preferências reprodutivas, mas o fato desse abismo ter diminuído, já é bastante positivo”, afirma ela na entrevista a seguir:
Na pesquisa de 2006, no grupo de 15 a 19 anos, 32,6% das mulheres entrevistadas afirmaram ter feito sexo aos 15 anos. As brasileiras estão fazendo sexo e tendo filhos cada vez mais novas?
Na verdade, as mulheres não estão tendo filhos cada vez mais novas. O que acontece é que a idade média da fecundidade está diminuindo. Isto aconteceu porque as mulheres mais velhas, proporcionalmente, diminuíram, em muito, a probabilidade de ter filhos. Desta forma, essa idade média, diminui.
Mas se observadas as taxas de fecundidade das mulheres menores de 20 anos veremos que, embora relativamente altas, essas taxas se mantêm em patamares, mais ou menos constantes desde os anos 80 ou 90. Esta figura é muito semelhante na maioria de paises latino-americanos. O que ainda falta fazer é conscientizar nossos jovens de que hoje em dia há muitos mundos além de virar genitores antes dos 20.
A PNDS traz informações sobre muitos aspectos da vida reprodutiva da mulher. Desde a percepção que ela tem do período fértil até procedimentos legais para obter uma laqueadura paga pelo SUS, passando pela atenção pré-natal, intenções de ter (mais) filhos o fornecimento de medicamentos, etc.
Desta forma, a Sociedade poderá avançar muito nos estudos sobre a vida reprodutiva das mulheres. A responsabilidade que a sociedade lhe deu de ser 'reprodutora' teria que lhe dar o direito de decidir como, quanto, onde e quando ela deve reproduzir e de implementar essas decisões. A importância desta pesquisa é que será possível desvendar essas questões.
A pesquisa também mostra que a região Nordeste parece subverter a ordem a que estamos acostumados (a região normalmente apresenta taxa de fecundidade mais alta e mulheres com mais filhos). Que dados a pesquisa traz que reforçam essa mudança?
A pesquisa aponta para uma forte homogeneização dos níveis de fecundidade. Quando menciono que a pesquisa parece subverter a ordem, gostaria de salientar o termo "parece". Lembrar que a pesquisa é amostral e que os indicadores tem intervalos de variação. Assim, um valor de 2.1 , tanto pode ser 1,9 como 2,2. E o número médio de filhos que as mulheres têm atualmente, parece oscilar em torno desses valores.
Na grande maioria de regiões metropolitanas -fonte independente- as mulheres estariam tendo uma quantidade de filhos insuficiente para repor a população que morre! De fato, isto ocorre em todas as grandes regiões metropolitanas, desde Belém até Porto Alegre, passando por Recife, Salvador e Belo Horizonte.
O que é importante é a tendência de homogeneização. Os indicadores estão cada vez mais parecidos, sendo uma das infelizes exceções, a população menos escolarizada, que hoje em dia, representa algo em torno de 10% to total.
Que avanços ocorridos na saúde da mulher no Brasil a pesquisa constatou? E que interrogações pendentes há 10 anos - desde a realização da última - a nova PNDS pode elucidar?
O fato de ter uma maior prevalência contraceptiva (por volta de 80% entre mulheres unidas) é indicativo da existência de serviços de saúde. Isto é alvissareiro, mas falta saber como eles são acessados e se isto não viola alguns direitos reprodutivos, como, por exemplo, não poder implementar o desejo de ter filhos no médio ou longo prazo por que, na ausência de opções, teve que recorrer à esterilização para evitar filhos no curto prazo...
Aliás, o cumprimento da regulamentação da lei sobre esterilização é um aspecto que poderá ser avaliado com estes dados.
A praticamente universal atenção pré-natal é outro fato que devemos comemorar! Como no caso anterior, falta saber se essa universalização tem a qualidade necessária.
Todos estes aspectos serão, certamente, desvendados, na medida em que os estudiosos aprofundem suas pesquisas utilizando este banco de dados.
O que mais lhe chama a atenção nos resultados e achados da pesquisa?
Talvez o fato de ter diminuído significativamente o abismo entre a fecundidade desejada e a fecundidade real. Ainda existe um contingente importante de mulheres que não conseguem implementar suas preferências reprodutivas, mas o fato desse abismo ter diminuído, já é bastante positivo.
Associado ao anterior, a prevalência da contracepção aumentou. Numa situação como a brasileira, em que o planejamento da família ainda não é encampado pelos programas sociais, isto chama muito a atenção. Decididamente, as nossas mulheres não querem ter (muitos) filhos. E mesmo sem ter um serviço de saúde que atenda esta demanda, por iniciativa privada, esta demanda está sendo satisfeita.
Um aspecto relevante é que a prevalência é hoje menos diferenciada por idade do que era uma década atrás. Hoje em dia, o uso de anticoncepcionais é bastante alto e parecido por idade.
A outra novidade (ainda a ser comprovada com estudos mais detalhados, com dados desta mesma pesquisa) é que a esterilização é menos precoce. Será que as mulheres estão conseguindo um melhor planejamento do tamanho da família que elas querem e ter os filhos no momento que elas definem ser o melhor? Esta pesquisa tem dados que permitem responder esta questão.
Que subsídios a PNDS trará para a demografia e a saúde no Brasil?
Lembrar que neste momento, a população menor de 15 anos está diminuído em volume, ao passo que outros grupos populacionais, como por exemplo, aqueles entre 30 e 40 anos, crescem com taxas bem acima da média. Esta variação tão diferenciada por idade, da população é um sério desafio para as políticas publicas e não todos os tomadores de decisão estão cientes deste inédito fato. A diminuição acentuada do número de filhos que as mulheres têm, e que já deixa sentir suas conseqüências nas diversas demandas sociais que a primeira infância requer precisa ser melhor avaliada e quantificada. Esta pesquisa, certamente ajudará a medir melhor o impacto destas mudanças.
A duração da amamentação exclusiva, bastante inferior aos seis meses ideais, a alta presença da prática da cesariana -que algumas mulheres de países desenvolvidos, já começam a reivindicar como um “direito”- são também, aspectos que merecem muita atenção e que , novamente, esta pesquisa ajudará a desvendar.