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Pelo mundo
Uma questão de princípios
Responsável pela divulgação e disseminação dos Princípios de Yogyakarta no mundo, o ativista pelos direitos humanos Boris Dittrich, diretor do programa de direitos GLBT da organização Human Rights Watch, acha meritório o projeto de lei que propõe a criminalização da homofobia no Brasil. Para ele, é importante um governo enquadrar tal comportamento como crime. “Isto mostra claramente que a sociedade deste país não aceita a discriminação baseada na orientação sexual das pessoas”, ressalta Dittrich que, como membro do parlamento holandês entre 1994 e 2006, teve atuação destacada ao defender assuntos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a eutanásia e a legalização da prostituição naquele país. Como defensor dos direitos humanos, Dittrich representou o parlamento holandês em diversas conferências na Organização das Nações Unidas (ONU), órgão que ele acha ter papel preponderante na eliminação de todas as formas de preconceito e de discriminação a pessoas GLBT no mundo, especialmente em países onde não existe uma democracia formal, como em Uganda e na Tanzânia. A maior dificuldade para isso, segundo ele, é conseguir o apoio da maioria dos países na ONU. “Por isso, o trabalho de organizações não governamentais é importante no sentido de ajudar a trazer a discussão à tona para que a ONU possa interferir no debate e adotar uma resolução contra a discriminação por orientação sexual”, diz ele. Vale lembrar que, em 2003, o Brasil apresentou, na Comissão de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas, uma resolução especificamente voltada para contemplar a questão da orientação sexual, mas o texto foi fortemente atacado pela Organização da Conferência Islâmica. No ano seguinte, quando teve início o trabalho da Comissão, o Brasil emitiu uma declaração pública informando que não iria mais apresentar a resolução, pois não “havia consenso suficiente para sua aprovação”. Nos bastidores, os países islâmicos tinham ameaçado boicotar a Cúpula de Comércio entre os países latino-americanos e o mundo árabe, programada para o final daquele ano. Nessa perspectiva, Boris Dittrich considera os Princípios de Yogyakarta – conjunto de princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero – importantes, uma vez que representam um padrão para todos os países do mundo de como as pessoas GLBT devem ser tratadas. A publicação contendo os Princípios de Yogyakarta foi lançada no Brasil em uma parceria do Observatório de Sexualidade e Política (SPW), a ILGA (International Lesbian and Gay Association) para a América Latina e o Caribe, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT), a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), a Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e o CLAM. Na entrevista a seguir, Dittrich fala da importância dos Princípios e da dificuldade em promovê-los em países onde a homossexualidade é crime. Qual a importância dos Princípios de Yogyakarta? Pela primeira vez, todos os direitos humanos concernentes à orientação sexual e à identidade de gênero foram codificados. Os princípios representam um padrão para todos os países do mundo de como as pessoas GLBT devem ser tratadas, mostrando os direitos que estes indivíduos possuem. Por isso, eles não são apenas importantes para a comunidade GLBT. Por serem sobretudo direitos humanos, eles devem ser importantes para todos, especialmente para os governos. Nesse sentido, as organizações internacionais não-governamentais (Ongs) têm um papel essencial nesse processo, que é o de mostrar a importância desses direitos para os governantes. Como isto pode ser feito? Em muitas partes do mundo não existe uma democracia real, como em Uganda e na Tanzânia. Nesses lugares a homossexualidade é crime e as pessoas GLBT são processadas e presas por conta de sua sexualidade. Nesses países, é muito difícil provocar mudanças ou achar pessoas que arrisquem suas vidas para chamar a atenção para o problema da discriminação e da homofobia. Por isso é importante que a Organização das Nações Unidas (ONU) intermedie este debate. A idéia é encarar a ONU como uma aliada, um fórum para eliminar qualquer forma de discriminação contra a população GLBT. O maior problema é que precisamos conseguir o apoio da maioria dos países na ONU. Este é o papel das organizações internacionais não-governamentais, uma vez que estas podem ajudar a trazer a discussão à tona para que a ONU possa interferir no debate e adotar uma resolução contra tal comportamento. Por isso, temos trabalhado na disseminação dos Princípios de Yogyakarta não somente na ONU, mas também na Comunidade Européia e na Organização dos Estados Americanos (OEA). Os Princípios representam também uma excelente ferramenta para mostrar que Uganda e Tanzânia precisam mudar suas leis e políticas. Porém, sabemos que isto não acontecerá em dois ou três anos, pois precisamos de tempo para convencer os outros países no âmbito das Nações Unidas. Quais as maiores dificuldades ao promover os Princípios em algumas partes do mundo, como em Uganda ou na Tanzânia, e nos países islâmicos, por exemplo? Nos países árabes, como Marrocos, oficialmente a homossexualidade é proibida, mas na realidade muitos homens fazem sexo com outros homens. Mas eles não se rotulam como gays. Então, em tais países é mais fácil trabalhar com os Princípios. Em outros o trabalho é mais árduo. Uma vez fui encontrar uma moça responsável pela parte de direitos humanos da Embaixada da Tanzânia, Ela então me disse: “Não existe homossexualidade em nosso país. Nenhum cidadão da Tanzânia é homossexual”. Ela me deu o exemplo de sua mãe, para quem ela havia contado que teria um encontro naquela tarde com um homossexual. Segundo ela, sua mãe teria dito que Deus a protegesse e que ela lavasse as mãos depois de encontrar-me. Ao final de nosso encontro, ela me disse então que eles jamais apoiariam a promoção dos Princípios de Yogyakarta na Tanzânia uma vez que a homossexualidade é ilegal naquele país. No momento, a principal bandeira de luta do movimento GLBT brasileiro é a criminalização da homofobia. Qual a importância da publicação dos Princípios nesse contexto? É maravilhosa a forma como o governo e a sociedade civil brasileira estão discutindo a questão da criminalização da homofobia. Desta maneira, a mensagem que está sendo passada às pessoas em geral é de que é errado discriminar. A criminalização da homofobia mostra claramente que uma sociedade não aceita a discriminação baseada na orientação sexual. Publicada em: 17/10/2007 |