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Carta do Rio de Janeiro

CARTA DO RIO DE JANEIRO

PELOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS PELA EQÜIDADE DE GÊNERO E EM DEFESA DO ESTADO LAICO

Nós, pesquisadores, docentes, estudantes, gestores e profissionais, participantes do Seminário "Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos: subsídios para as políticas públicas", realizado no Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 2007, manifestamos nosso apoio às políticas públicas e ações em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Reconhecemos a necessidade de formular e implementar políticas de saúde que assegurem o marco constitucional da pluralidade moral, da laicidade e da eqüidade no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Nossa posição fundamenta-se em resultados de pesquisas científicas de grupos de pesquisa e instituições de ensino superior do País, que mostram como a iniqüidade de acesso aos métodos contraceptivos e a ilegalidade do aborto trazem conseqüências nefastas para a saúde física e mental das mulheres, além de ser uma grave infração de direitos humanos. Reflete ainda a experiência de participação ativa em comissões técnicas de formulação e monitoramento de políticas públicas em associações científicas e instâncias de participação social pela defesa da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos.

Esse posicionamento se apóia em princípios definidos na Constituição Brasileira, na Lei do Planejamento Familiar e em Convenções Internacionais, tais como a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), a IV Conferência Internacional de Mulheres (Beijing, 1995), a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Belém do Pará, 1994), das quais o Brasil é signatário.

O debate amplo na sociedade brasileira é reflexo de uma discussão reavivada pela 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (2004) e pela apresentação no Congresso Nacional de projeto de lei de revisão da legislação de aborto pela Ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (2005). Nos últimos meses, somaram-se as declarações do Ministro da Saúde José Gomes Temporão, instando a sociedade brasileira a discutir o tema do aborto como um problema de saúde pública.

O Programa Nacional de Planejamento Familiar

Consideramos oportuno o lançamento do Programa Nacional de Planejamento Familiar pelo Governo Federal no dia 28 de maio de 2007, cujo objetivo é garantir direitos iguais de constituição ou limitação da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. O Sistema Único de Saúde deve oferecer todos os métodos reversíveis aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para regulação da fecundidade, bem como assegurar o acesso à laqueadura e à vasectomia, permitindo que os homens também participem do planejamento reprodutivo. Deve ainda ser assegurado o tratamento da infertilidade a homens e mulheres que assim o necessitem.

As desigualdades sociais são grandes no País. Os grupos mais pobres dependem do Estado para ter acesso aos métodos de regulação da fecundidade para o livre exercício da sexualidade. A última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS/1996) mostrou que, nos cinco anos anteriores à sua realização, aproximadamente 50% dos nascimentos não foram planejados. Outras pesquisas comprovam a alta incidência de gravidez indesejada entre adolescentes e adultas jovens no Brasil. Gravidezes não previstas, muitas vezes, resultam na prática do aborto inseguro.

Aborto: um problema de saúde pública

O aborto é um grave problema de saúde pública. A estimativa é que se realizem um milhão de abortos em condições inseguras anualmente no Brasil. É a quarta causa de morte materna no país, sendo a curetagem pós-aborto o segundo procedimento obstétrico mais realizado na rede pública. As políticas públicas devem garantir o acesso a contraceptivos seguros e reversíveis, à contracepção de emergência e à prevenção de DST/Aids, além de promover ações intersetoriais contra a violência de gênero. Essas ações devem ser implementadas em conjunto com a descriminalização e legalização do aborto no País.

Consideramos que não há como assegurar a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos sem o acesso ao aborto legal e seguro. A atual lei de aborto é fonte de opressão e desigualdade social ao ignorar que são as mulheres jovens, negras e pobres as mais vulnerabilizadas pela proibição do aborto. Na ausência dos cuidados dos serviços de saúde do Estado, essas mulheres abortam em condições inseguras, com profissionais não qualificados e sem os padrões sanitários requeridos. A experiência internacional mostra que, nos países onde o aborto é legalizado, os danos à saúde são mínimos.

Estado laico, SUS e direito ao aborto

O Estado brasileiro é laico. Isso significa que o Estado reconhece a diversidade de credos da população, mas fundamenta suas ações e políticas em uma posição de neutralidade moral, de defesa da justiça e dos princípios constitucionais. Uma política de saúde que contemple o tema do aborto como uma questão de saúde pública e que respeite o pluralismo moral da sociedade brasileira pressupõe o reconhecimento de que a decisão pelo aborto é matéria de ética privada. Nenhuma mulher realizará um aborto contra sua vontade, assim como nenhuma mulher deve ser impedida de abortar se esta for sua decisão.

Defendemos os princípios da universalidade, integralidade e eqüidade da atenção à saúde, o que só pode ser assegurado pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde em um marco constitucional de respeito e proteção aos direitos humanos. Entendemos que para garantir os princípios constitucionais da autonomia da vontade, da dignidade da pessoa humana e da liberdade de pensamento, é preciso reconhecer que o direito ao aborto é condição para um Estado verdadeiramente justo e democrático.

Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2007.

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Publicada em: 27/08/2007

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